São Paulo, sexta, 29 de maio de 1998

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CINEMA - ESTRÉIA
Pregador Inspira Robert Duvall

BRIDGET SWENSEN
da "International Feature Agency"

"O Apóstolo" é o novo filme de Robert Duvall. Ele escreveu, produziu, dirigiu e estrelou, fazendo o papel de um pregador pentecostal chamado Sonny. Algumas pessoas podem achar o tema do filme um tanto quanto controvertido, mas o filme em si não é.
O filme conta a história do amor de um homem pela igreja e a pregação e de sua viagem pela vida, com Deus sempre a seu lado. É ambientado no sul dos Estados Unidos, onde a vida do protagonista vira de ponta-cabeça quando ele flagra sua mulher, representada por Farrah Fawcett, com um pregador mais jovem, Horace (Todd Allen).

Pergunta - De onde veio a inspiração para fazer um filme sobre um pregador?
Resposta -
Vi um pregador desses muitos anos atrás em Hughes, Arkansas. Eu sempre quis representar um deles. Depois houve um filme que não deu certo, "The Kingdom", no qual eu talvez fosse trabalhar. Quando esse projeto deu errado, eu já tinha estudado muito, ido ao Texas um mês por ano para pesquisar. Então pensei que talvez tivesse que escrever meu próprio roteiro e foi isso que acabei fazendo. Eu sempre quis representar um pregador desses porque, em termos culturais, o pregador é uma das formas de arte americana. Além disso, é uma justaposição antiga e interessante de raças e os vários estilos de pregar que se sobrepõem. Isso sempre me interessou, porque, em termos visuais, essa forma de adoração é uma coisa meio teatral.
Pergunta - É espantoso. Você tem várias cenas em que fica pregando e aquela perto do final parece que não vai terminar nunca.
Resposta -
Sim, eu preguei por 20 minutos. Eu não quis cortar muito porque, afinal, o sujeito é pregador, então a platéia precisa ver o que ele faz. Esse é o teatro espiritual dessas pessoas, é isso que elas vêm ver quando vão a essas igrejas. Então eu quis garantir minha pregação no final.
Pergunta - Foi uma coisa improvisada?
Resposta -
Não, ela consta do roteiro. Mas dentro dela há uma espécie de processo em andamento. Além disso, eu não tinha decorado o roteiro, então ficava sempre procurando o papel, assim (estala os dedos), e, quando não sabia o que dizer, falava: "alguém me dê um amém", e todos diziam amém, e eu tinha tempo de pensar em alguma coisa. Sim, foi uma coisa que eu sempre quis fazer e que foi muito especial para mim.
Pergunta - Foi difícil vender a idéia do filme?
Resposta -
Muito.
Pergunta - Como foi esse processo?
Resposta -
Durante anos ninguém queria investir um níquel, nem em Los Angeles nem em Nova York ou em lugar algum. Um dia, foi meu empresário que me disse "acho que você já tem dinheiro suficiente para bancar esse filme". Então ele deu a luz verde, por assim dizer, um ano e meio atrás. Eu já havia feito dois filmes nos quais gastei meu dinheiro e não necessariamente o recuperei, então eu não disse nada. Mas quando meu empresário tocou no assunto, já tinha virado uma coisa de "agora ou nunca", então resolvemos ir em frente.
Pergunta - E agora que o filme está pronto e ficou maravilhoso, você recuperou seu dinheiro?
Resposta -
Recuperei tudo e mais um pouco. A October Films e a Miramax começaram uma guerra de lances, mas nenhuma delas chegou perto do que havíamos imaginado. Finalmente eu disse: "Não sou louco por dinheiro, vamos fechar esse negócio e recuperar o que gastei. Isso é ótimo". Assim, a October financiou o filme a posteriori, por assim dizer. E todos nós temos a chance de ganhar mais, se o filme se sair bem. E há um álbum gospel muito bom, acho, que vai sair dele.
Pergunta - Você ficou preocupado com a possibilidade de exagerar na caracterização do pregador?
Resposta -
Não, porque já passei muito tempo com esses caras. E eles realmente dão tudo o que têm. Essa coisa de ser meio exagerado pode ser sobrestimada às vezes, porque se você ainda está dentro dos limites de seu temperamento, é uma coisa válida. Mas esses pregadores fazem assim mesmo. Há um sujeito em Los Angeles chamado reverendo F. V. Hill, do Texas. Eu o conheci numa igreja em Brooklyn, anos atrás. Quando começamos a fazer o filme, alguém me mandou um vídeo dele pregando no enterro de sua própria mulher. Foi espantoso.
Pergunta - Já ouvi comentários sobre uma possível indicação para o Oscar para esse filme.
Resposta -
Quanto a isso, nunca se sabe. Se acontecer, ótimo. Será um subproduto. É claro que seria legal, quem vai dizer que não? Mas a gente simplesmente fez o filme que queria fazer e o que tiver que acontecer, vai acontecer.
Pergunta - Você pode dizer algo sobre a escolha de Farrah Fawcett para o papel da esposa do pregador?
Resposta -
Todo mundo me pergunta sobre isso. Eu a escolhi porque ela é uma atriz fantástica, desde "The Burning Bed", na televisão, e "Small Change", no qual ela mata seus filhos. Esse é um trabalho espantoso. Ela realmente consegue se dedicar e mergulhar no momento, quando está trabalhando. Ela é fantástica. Então eu disse a ela para escolher qual dos papéis queria fazer.
Pergunta - Ela disse que você falou que ela é uma mulher complexa. Por quê?
Resposta -
Para começo de conversa, acho que ela passa 95% do dia no banheiro. Isso já é complexo, para começo de conversa. Mas ela é... bem, muitas pessoas são complexas. Tenho certeza de que ela sabe que o é. Mas foi muito bom trabalhar com ela.
Pergunta - E por que você escolheu Billy Bob Thornton?
Resposta -
Para seu papel eu tinha pensado num ator não profissional, porque misturamos atores com pessoas que não são atores. Mas havia a parte emocional no fim, que eu não sabia se um amador poderia fazer. E acontece que Billy Bob é um sujeito interessante. Ele já viveu no sul, foi o único integrante branco de uma banda só de negros, já foi casado com uma negra por um ano. Apesar disso, eu já o vira no meio dos caipiras sulistas brancos e vi que ele também se dava muito bem com eles. Ele é um cara tolerante com todos, que não faz julgamentos acerca de ninguém. Eu sabia que ele seria capaz de fazer aquele papel sem transformá-lo em caricatura, sem ironizar. Ele o fez muito bem e foi gostoso trabalhar com ele.
Pergunta - Como você compara esse personagem a alguns outros que já representou, especialmente com seu incrível domínio de tudo que é americano?
Resposta -
Dizem que uma das verdadeiras formas de arte americana é o pregador americano. Então, se você vai representar um pregador, tem que fazê-lo com força, mas dentro do contexto. É o tipo de assunto que a indústria do cinema sempre desprezou e retratou de maneira caricata, e eu achei que se fosse fazê-lo teria que pesquisar o suficiente para fazer bem feito, para dar a esse pessoal o respeito que merecem. Assim, eu tento inverter a coisa e deixar que parta deles. Foi por isso que misturei atores profissionais com pessoas que não são atores e consegui pessoas religiosas de verdade, das igrejas, e lhes dei papéis no filme. A caracterização realmente partiu delas. É um estilo de vida especial, uma crença. Para retratá-lo você não precisa necessariamente acreditar nele, mas precisa respeitá-lo. Alguém me perguntou como dirigi os dois garotinhos negros, os gêmeos. Eu não os dirigi nas cenas em que ficam pulando para cima e para baixo. Eles frequentam aquelas igrejas desde que nasceram, então quando alguém fala alguma coisa eles já sabem o que fazer.
Pergunta - O processo de representar foi ficando mais fácil para você com o passar dos anos?
Resposta -
De certo modo, sim. Sou um sujeito que floresceu tarde. Já vi pessoas deteriorarem à medida que ficam mais velhas, mas acho -espero- que eu esteja melhorando. Certas cenas emocionais que me preocupariam mais quando eu era mais jovem, hoje eu faço e não me preocupo se vão dar certo ou não. E, geralmente, quando você deixa de achar que tudo depende de você, as coisas dão certo. Algumas coisas têm ficado mais fáceis para mim com o passar dos anos, mas espero que eu ainda me conserve novo. Quero dirigir mais e fazer mais projetos meus, agora que tenho minha companhia própria.
Pergunta - Qual será o próximo projeto?
Resposta -
Estou trabalhando com John Travolta em "Civil Action". E tenho algumas coisas que quero fazer futuramente com minha própria companhia. Queremos desenvolver um projeto sobre futebol, no qual vou fazer o papel de um jogador/treinador envelhecido na Escócia. Vai ser interessante, porque o futebol é um grande esporte, muito sofisticado.


Tradução de Clara Allain



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