São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

Chega às livrarias a coletânea de artigos "Cultura Pública - A Organização Política do Sonho"

Jorge da Cunha Lima reúne reflexões

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dos infortúnios da vida intelectual brasileira é a limitação que praticamente impede muitos de seus integrantes -os que optam pela vida profissional não acadêmica e os que precisam sobreviver da docência em múltiplas universidades, por exemplo- de usar tempo livre para pensar e produzir trabalhos de pesquisa e de reflexão.
Tome-se o caso de jornalistas. São pouquíssimas as empresas que oferecem a oportunidade de "sabáticos" ou similares para dar condições de pensar a seus funcionários, pelo menos àqueles com senioridade e disposição para escrever livros. Também são raras as situações em que uma editora contrata um jornalista, com pagamento adiantado, para a confecção de uma obra.
O resultado é que, na ânsia de publicar, muitos mesmo entre os melhores acabam optando pelas coletâneas de textos que já foram editados em periódicos. É o caso de Jorge da Cunha Lima e seu "Cultura Pública - A Organização Política do Sonho".
É evidente que o autor, atual diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta, ex-secretário das Comunicações e da Cultura do Estado de São Paulo, ex-presidente da Fundação Cásper Líbero, tem muito de útil a oferecer ao debate do tema.
Mas sua contribuição ao debate poderia ser muito mais relevante se ele tivesse tido as condições para se retirar por alguns meses de suas atividades, pensar o assunto de maneira sistemática, consultar outros autores, propor novas idéias ou rever acontecimentos da vida recente do país na sua área.
A coleção picotada de artigos datados pode ter algum interesse histórico, às vezes quase arqueológico. Mas que relevância tem, por exemplo, lembrar as quantias (em cruzeiros) que a Secretaria da Cultura gastava em 1985 nos diversos itens de seu orçamento quando não se tem o cuidado de ao menos dar alguma dimensão do que esses valores significam na moeda atual?
Em muitas situações, em que os artigos mencionam pessoas ou incidentes que eram do conhecimento público à época em que foram escritos e agora se perdem na memória coletiva, não custaria uma nota de rodapé para oferecer alguma contextualização.
Como um bom intelectual, Cunha Lima em diversos de seus artigos fez generalizações interessantes, que mantêm atualidade na discussão sobre cultura e público. Os exemplos são inúmeros nesse livro, e deles muito se pode apreender.
Mas a edição de "Cultura Pública" poderia ter tomado alguns cuidados elementares para facilitar a consulta, sem os quais a leitura do livro se torna um exercício custoso. Por exemplo, um índice remissivo, que permitisse a localização rápida de artigos sobre temas específicos que se queira pesquisar. A listagem de títulos dos artigos com frequência não ajuda nada (sobre o que poderá se referir "... Credo", ou "Já", ou "Sair ou Sair"?). A não ser que alguém queira ler o livro como uma espécie de autobiografia intelectual, e o faça do início ao fim, será difícil achar o que se quer neste volume.
Curtas notas introdutórias do autor antes de cada artigo (que somem a partir da página 296) também contribuem pouco. Cunha Lima poderia ter seguido o exemplo do ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, que, em "Diplomacia Brasileira" (Lacerda Editores, 1999), reuniu discursos e artigos, mas teve o cuidado de agrupá-los por ordem temática (em vez de, como Cunha Lima, cronológica ou quase cronológica, porque a partir da página 270 as datas desaparecem, embora se perceba, pelos temas, que se volta atrás no tempo) e fez com que cada texto fosse antecedido de ensaios de contextualização e atualização.
Apesar de todos esses reparos, não deixa de ser interessante ver registrada em livro a trajetória política e intelectual de Cunha Lima desde 1977. Nela, pode-se ver como se alteram as posições de quem passa da condição de estilingue para a de vidraça. Vê-se também que, como muitos de sua geração, suas posições políticas foram se tornando mais conservadoras com o passar do tempo.
Além disso, é de grande utilidade, para quem se interessa pelo assunto, entrar em contato com as opiniões de um ator privilegiado do debate sobre cultura no Brasil. Elas refletem o pensamento de um grupo político relevante, que tem detido o poder no país com frequência desde o fim do regime militar, e continuará sendo influente nas próximas décadas.
Em especial no caso da televisão pública, há muito a ser feito para que a sociedade brasileira possa tirar melhor proveito do muito que já investiu nela ao longo dos anos, e o livro de Cunha Lima oferece subsídios para isso.
O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"



Cultura Pública - A Organização Política do Sonho   
Autor: Jorge da Cunha Lima
Editora: Senac
Quanto: R$ 44 (350 págs.)




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