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LIVRO/LANÇAMENTO
Chega às livrarias a coletânea de artigos "Cultura Pública - A Organização Política do Sonho"
Jorge da Cunha Lima reúne reflexões
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dos infortúnios da vida
intelectual brasileira é a limitação que praticamente impede
muitos de seus integrantes -os
que optam pela vida profissional
não acadêmica e os que precisam
sobreviver da docência em múltiplas universidades, por exemplo- de usar tempo livre para
pensar e produzir trabalhos de
pesquisa e de reflexão.
Tome-se o caso de jornalistas.
São pouquíssimas as empresas
que oferecem a oportunidade de
"sabáticos" ou similares para dar
condições de pensar a seus funcionários, pelo menos àqueles
com senioridade e disposição para escrever livros. Também são
raras as situações em que uma
editora contrata um jornalista,
com pagamento adiantado, para
a confecção de uma obra.
O resultado é que, na ânsia de
publicar, muitos mesmo entre os
melhores acabam optando pelas
coletâneas de textos que já foram
editados em periódicos. É o caso
de Jorge da Cunha Lima e seu
"Cultura Pública - A Organização
Política do Sonho".
É evidente que o autor, atual diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta, ex-secretário das
Comunicações e da Cultura do
Estado de São Paulo, ex-presidente da Fundação Cásper Líbero,
tem muito de útil a oferecer ao debate do tema.
Mas sua contribuição ao debate
poderia ser muito mais relevante
se ele tivesse tido as condições para se retirar por alguns meses de
suas atividades, pensar o assunto
de maneira sistemática, consultar
outros autores, propor novas
idéias ou rever acontecimentos da
vida recente do país na sua área.
A coleção picotada de artigos
datados pode ter algum interesse
histórico, às vezes quase arqueológico. Mas que relevância tem,
por exemplo, lembrar as quantias
(em cruzeiros) que a Secretaria da
Cultura gastava em 1985 nos diversos itens de seu orçamento
quando não se tem o cuidado de
ao menos dar alguma dimensão
do que esses valores significam na
moeda atual?
Em muitas situações, em que os
artigos mencionam pessoas ou
incidentes que eram do conhecimento público à época em que foram escritos e agora se perdem na
memória coletiva, não custaria
uma nota de rodapé para oferecer
alguma contextualização.
Como um bom intelectual, Cunha Lima em diversos de seus artigos fez generalizações interessantes, que mantêm atualidade na
discussão sobre cultura e público.
Os exemplos são inúmeros nesse
livro, e deles muito se pode
apreender.
Mas a edição de "Cultura Pública" poderia ter tomado alguns
cuidados elementares para facilitar a consulta, sem os quais a leitura do livro se torna um exercício
custoso. Por exemplo, um índice
remissivo, que permitisse a localização rápida de artigos sobre temas específicos que se queira pesquisar. A listagem de títulos dos
artigos com frequência não ajuda
nada (sobre o que poderá se referir "... Credo", ou "Já", ou "Sair ou
Sair"?). A não ser que alguém
queira ler o livro como uma espécie de autobiografia intelectual, e
o faça do início ao fim, será difícil
achar o que se quer neste volume.
Curtas notas introdutórias do
autor antes de cada artigo (que
somem a partir da página 296)
também contribuem pouco. Cunha Lima poderia ter seguido o
exemplo do ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, que, em "Diplomacia Brasileira" (Lacerda Editores, 1999), reuniu discursos e artigos, mas teve o cuidado de agrupá-los por ordem temática (em
vez de, como Cunha Lima, cronológica ou quase cronológica, porque a partir da página 270 as datas
desaparecem, embora se perceba,
pelos temas, que se volta atrás no
tempo) e fez com que cada texto
fosse antecedido de ensaios de
contextualização e atualização.
Apesar de todos esses reparos,
não deixa de ser interessante ver
registrada em livro a trajetória política e intelectual de Cunha Lima
desde 1977. Nela, pode-se ver como se alteram as posições de
quem passa da condição de estilingue para a de vidraça. Vê-se
também que, como muitos de sua
geração, suas posições políticas
foram se tornando mais conservadoras com o passar do tempo.
Além disso, é de grande utilidade, para quem se interessa pelo
assunto, entrar em contato com
as opiniões de um ator privilegiado do debate sobre cultura no
Brasil. Elas refletem o pensamento de um grupo político relevante,
que tem detido o poder no país
com frequência desde o fim do regime militar, e continuará sendo
influente nas próximas décadas.
Em especial no caso da televisão
pública, há muito a ser feito para
que a sociedade brasileira possa
tirar melhor proveito do muito
que já investiu nela ao longo dos
anos, e o livro de Cunha Lima oferece subsídios para isso.
O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Cultura Pública - A Organização
Política do Sonho
Autor: Jorge da Cunha Lima
Editora: Senac
Quanto: R$ 44 (350 págs.)
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