São Paulo, segunda, 29 de junho de 1998

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OS DISCOS

"Nelson Interpreta Noel"
O mesmo caso: dez polegadas em 56, LP em 71. Aqui ele em tese estaria menos em casa -o vozeirão tem de se desincumbir do repertório cool de Noel Rosa. Os maneirismos de Nelson estão todos ali, mas dá escândalo em versões particulares de "Três Apitos", "Fita Amarela", "Último Desejo" (bem kitsch), releituras que influenciaram profundamente a Maria Bethânia do final dos 60.

"Queixas"
1960. Nelson em arranjos de baile, um convite à fossa velha. "Bossa nova não é bem/ o que dizem por aí/ que o bastante é ser desafinado ou trocar o dó por mi", canta em "Velha Bossa Nova" (Billy Blanco). A guerra estava aberta: de um lado parecia querer aderir à bossa, de outro não poupava agulhadas. "Se Meu Violão Falasse" comprova: ele continuava bossa velha, com muito orgulho.

"Seleção de Ouro Vol. 3"
1962. Esse é dos títulos que tornam a coleção redundante. Compilação, reúne faixas que já haviam aparecido na primeira leva da série, como "Êxtase", "Mariposa", "Deusa da Minha Rua"... Como é uma seleção de sucessos, o compositor Adelino Moreira é figura onipresente, em absurdos derramados como "Borrasca", "Meu Triste Long-Play" ou "Maria Helena".

"...Na Voz de Nelson Gonçalves"
1963. A gravadora não esclarece, mas tem toda a cara de coletânea, com títulos como "Maria Bethânia" (a mítica canção do pernambucano Capiba que motivou o menino Caetano Veloso a batizar sua irmã), "Ternura Antiga" (do repertório fossa nova de Dolores Duran) e "A Volta do Boêmio" (composta por Adelino Moreira e canção mais famosa de Nelson, gravada originalmente em 53).

"Romântico"
1963. Onde vem escrito "Romântico", leia "Melodramático". Com apoio linguístico de Adelino Moreira, o machão Nelson Gonçalves choraminga em "Ultimato", "Esmagando Rosas", "Olheiras" (!). Os títulos vão nessa linha: "Chorando o Passado" (Newton Teixeira-Mario Rossi), "A Lágrima Mais Triste" (dele e de Neném), "Desespero" (dele mesmo e de Alfredo Zaim). Meio enfadonho.

"Tudo de Mim"
1964. Nelson dá tudo dele para reascender a patamares mais... chiques... de repertório. Emoldura o golpe militar com chorumelas de Ary Barroso ("Risque", "Folha Morta"), Lupicinio ("Cadeira Vazia"), Cândido das Neves ("Noite Cheia de Estrelas"). Anima-se um tico com Bororó ("Da Cor do Pecado") e Dorival Caymmi ("Dora") e reza com Vicente Paiva e Jayme Redondo ("Ave Maria").

"Saudade"
1965. É de novo aquele Nelson meio obscuro, popularesco. Casados, os arranjos de baile, os corinhos femininos e as composições meio titubeantes -"Sabiá Laranjeira" (Chiquinho-Jonjoca), "Se Voltares a Mim" (Mozart Brandão)- resultam indigestos a ouvidos de hoje. Tudo melhora quando o malandro brejeiro aponta -em "Nem Me Lembro Mais" ou "Café Nice", por exemplo.

"Quando a Lapa Era Lapa"
1973. Este disco marca a interrupção de um período difícil de Nelson -naquele ano, anunciou que não consumiria mais drogas. É, talvez por consequência, disco nostálgico que exala humor e vitalidade, utilizando-se da linguagem do samba. Assim são canções como "Rainha da Lapa" (de Adelino), "Quando Eu me Chamar Saudade" (de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito). Bonito.

"Passado e Presente"
1974. Mais passado que presente: o belo e antiquado chorinho "Naquela Mesa" (de Sérgio Bittencourt), "Madame Fulano de Tal" (Ciro Monteiro-Dias da Cruz), a genial "Fica Comigo Esta Noite" (dele e de Adelino). O inusitado é Nelson cantando, até bem mansinho, a bossa de "O Barquinho" -àquela altura também já meio passado. No todo, é Nelson em grande inspiração.

"Nelson de Hoje"
1979. A novela global "Cabocla" puxava um grande e tardio sucesso de Nelson Gonçalves, "Mágoas de Caboclo", de Leonel Azevedo e J. Cascata. Flashes emocionantes são as solenes "O Mundo É um Moinho" e "As Rosas Não Falam", de Cartola, e -pelo significado, dada a guerra de egos que sempre movera os reis da canção- a homenagem a Orlando Silva, em "Pedestal de Lágrimas".

"Nelson Especial - Na Intimidade"
1980. Impressiona como as décadas correm, e Nelson não arreda pé: já começa com "Desabafo", de Roberto e Erasmo, transtornada num baita tango. É a vez de homenagear Francisco Alves ("homenagem que há tanto tempo lhe devo", declama -a cada faixa, ele anuncia os compositores, um a um), em "A Voz do Violão". Navegam pelo CD Joracy Camargo, Lupicinio, Luiz Vieira.

"Sempre Nelson"
A gravadora informa 1982, mas nem a estética de capa, nem os cabelos negros de Nelson, nem a textura das canções e interpretações (nitidamente antigas) corroboram que este seja um LP dos 80. Talvez um erro da BMG, talvez uma coletânea a mais -se for, não inclui nenhum tema de peso, afora poucas canções da lavra de Evaldo Gouveia e Jair Amorim ("Belíssima", "Cantiga de Ficar").

"Eu & Eles"
1985. Este é da série auto-reverente em que Nelson chama luminares da MPB para dividir com ele alguns clássicos. "Renúncia" vira dueto impensável com Tim Maia; "Maria Bethânia" recebe ( é claro) Caetano; Fagner faz "Mucuripe"; Martinho da Vila sai do samba e cai no choro na bela "Lembranças"; e Luiz Gonzaga em pessoa faz "Asa Branca", em outro dueto improvável. Curioso.

"Ele & Elas Vol. 2"
1986. A fórmula se repete, num segundo volume só com cantoras (o primeiro não está no pacote). O elenco é de peso: Elizeth Cardoso inunda "As Rosas Não Falam" de brilho, Elza Soares entrega "Se Acaso Você Chegasse", Bethânia encontra o ídolo em "Caminhemos". Gal aparece em má fase, em "Dos Meus Braços Tu Não Sairás", e Joanna, em "Alguém me Disse", melhor nem comentar.
"Nós"

1987. Mais duetos, agora com "eles" e "elas" de três gerações: os sessentistas Chico Buarque ("Valsinha"), Nana Caymmi (um medley de "Não Tem Solução", "Só Louco" e "Nem Eu", todas de Dorival Caymmi) e Milton Nascimento ("A Saudade Mata a Gente"), a setentista Zizi Possi ("Castigo") e o oitentista Lobão ("A Deusa do Amor"). Nana dá espetáculo, os arranjos derrapam.

"E por Falar em Paixão..."
1987. Nelson volta a ficar só, contaminado pelo padrão cafona anos 80 de retrabalhar seu universo sempre cafona. Resta o consolo de ouvi-lo cantar "Onde Anda Você" (de Vinicius de Moraes e Hermano Silva, a cara dele), "Por Causa de Você", de Tom Jobim e Dolores Duran, "Nada Além" (Custódio Mesquita-Mário Lago), "Nunca" (Lupicinio) e a delicada "As Vitrines" (Chico Buarque).

"Auto-Retrato"
1989. Tudo bem, ele era polêmico e parecia ter poucos preconceitos musicais, mas parece exagero confrontar Maysa ("Ouça") com Roberta Miranda ("De Igual para Igual", ela canta junto), Pixinguinha ("Rosa") com Maurício Duboc e Carlos Colla ("Spot Light"), Tom Jobim com Fafá de Belém (esta canta em "Falando de Amor", daquele). Ele não podia permanecer lúcido para sempre...

"O Boêmio & o Pianista"
1992. O disco mais recente da coleção é dividido com o pianista Arthur Moreira Lima. Volta a procura por temas elegantes da MPB mais histórica, como "Chão de Estrelas" (Silvio Caldas-Orestes Barbosa), e solos instrumentais de Moreira Lima em "Tico-Tico no Fubá" (Zequinha de Abreu), "Apanhei-te, Cavaquinho" (Waldir Azevedo). O resultado é a reversão dos arranjos bregas dos 80.

"O Rei do Rádio - As Grandes Interpretações de Nelson"
1998. Essa é uma coletânea inédita acoplada à "Coleção Nelson Gonçalves", abrangendo gravações feitas originalmente entre 1953 e 1963. O previsível: "Êxtase", "Maria Bethânia", "Queixas", "A Volta do Boêmio", "Camisola do Dia", "Deusa do Maracanã", "Mariposa", "Segredo" (em bela versão de 1958), "Meu Vício É Você".



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