São Paulo, sábado, 29 de julho de 2000 |
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Estação Carandiru 2 - Presos escrevem memórias do cárcere
CASSIANO ELEK MACHADO DA REPORTAGEM LOCAL Sentado em uma poltrona furada em uma sala do pavilhão 4 do Carandiru, o detento Carlos Eduardo Pereira resume seus 28 anos de idade. "Eu queria ser cardiologista. Virei ladrão." Com voz tímida, olhos emoldurados por olheiras escuras, o morador da cela 210-A explica que deve ser libertado em seis meses e que desistiu mesmo dos corações. Ele quer virar um escritor. Eduardo já começou a empreitada. No dia 7 de julho, enquanto mais de 15 mil pessoas participavam em todo o país do movimento "Basta! Eu Quero Paz", ele resolveu escrever uma das histórias mais incríveis que já conheceu. A da sua vida. Dos passeios de skate aos assaltos à mão armada. Mais de 300 companheiros dele de cadeia já fizeram o mesmo este mês. São os participantes do primeiro grande concurso literário feito em um presídio brasileiro. O projeto "Jornada Biográfica, Letras de Liberdade", promovido pela Casa de Detenção de São Paulo em parceria com a editora WB, vai selecionar 15 desses relatos biográficos em um livro, a ser lançado em novembro. O concurso começou em junho, um ano depois do lançamento de "Estação Carandiru", em que o médico Drauzio Varella descreve o cotidiano do maior presídio do país. Agora é a vez de os personagens escreverem. Amanhã terminam as inscrições. O último lote de "memórias do cárcere" chega na segunda-feira à editora, que define a lista dos escolhidos em 15 dias. Os eleitos ganharão 30 exemplares do livro, ainda sem nome definido, e ficarão com 10% do valor das vendas. Três dos autores também serão escolhidos para algo com que sonham os 7.200 detentos do Carandiru. Vão poder cruzar o portão verde da Casa de Detenção. Eles participarão de um noite de autógrafos a ser realizada na livraria Saraiva do shopping Center Norte. Nenhuma outra idéia é maior do que essa dentro da cela 426-E, do pavilhão 7. É lá que vive Márcio Marcelo do Nascimento Sena, 30, apelido Professor. Condenado a 19 anos por tráfico e tentativa de homicídio, chegou ao Carandiru há seis anos com a quarta série concluída. Dentro do presídio, estudou até a oitava. Hoje faz o colegial e dá aulas de alfabetização para os colegas. Como o material didático que conseguiu para ensinar os detentos era infantil, Marcelo começou a criar as suas histórias. Foi assim que sua prosa ganhou gume. Em "Lembranças ao Vento", que enviou ao concurso, conta não a sua, mas a história de um colega. "Jesus em pé, com o rosto encostado na parede, com os olhos perdidos dando um ar de enlouquecido, em estado de choque, devido ao quase linchamento... O "cameraman" gravava a imagem pensando na manchete: "Jesus cai em tentação e peca'", escreve. "É uma história sobre as armadilhas da vida", explica Marcelo. "Jesus foi acusado de estuprar a filha. Como o IML estava em greve, não foi feita a perícia. Ele foi para a delegacia e estuprado na primeira noite. Pegou o HIV. Morreu pouco depois de ter sido solto, quando fizeram o exame e viram que a menina não havia sido tocada por ninguém." "É um mundo muito, muito feio", diz Wagner Veneziani Costa, diretor-presidente da editora WB, que vai publicar o livro. Segundo ele, o projeto nasceu dentro do Carandiru. Um dos dirigentes da instituição procurou a editora dizendo que muitos presos "não se sentiam à vontade" com o modo como Drauzio Varella tinha contado a história deles em "Estação Carandiru". "Não era uma crítica ao Drauzio. Mas os presos queriam a "nossa versão da história'", conta o gerente de comunicação da editora, Pedro Zarur Almeida. Zarur esperava que o chamado massacre do Carandiru, a morte de 111 detentos em 1992, fosse um dos temas que mais aparecessem no concurso. Mas poucas redações trataram do tema. Dos 300 textos que chegaram até a editora, a maioria é de autobiografias. "Estamos tirando água de pedra", resume Ronny Clay Chaves, 24, condenado a 22 anos por envolvimento em homicídio. "Queremos mostrar que existe muito mito cercando a Detenção." Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Trechos Índice |
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