São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 2005

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CRÍTICA/"4"

Álbum conquista pelos silêncios e pelas letras de vidro

DA SUCURSAL DO RIO

Não é difícil afirmar que "4", o novo CD do Los Hermanos, é inferior a "Ventura", o excepcional disco anterior. Mas a afirmação requer dois cuidados.
O primeiro pode soar banal, mas deve ser tomado. A cada audição, "4" melhora. É um CD que deve ser mais e mais ouvido, para que se percebam seus detalhes, suas sutilezas, suas belezas. Se "Ventura" era avassalador com músicas como "Samba a Dois" e "Cara Estranho", "4" conquista pelas beiradas, pelo não dito tanto quanto pelo que é dito nas letras.
O segundo cuidado é reconhecer que, se ao menos nas primeiras audições, "4" parece inferior a "Ventura", não é porque os Hermanos tenham, digamos, piorado. O que fizeram foi aprofundar um caminho iniciado no segundo CD, "Bloco do Eu Sozinho", aquele em que deram uma banana para os marqueteiros e fãs que esperavam outras "Annas Júlias".
No novo disco, o Los Hermanos é ainda mais um "bloco do eu sozinho". Não apresenta músicas facilmente transformáveis em hits, não agrada aos fãs que sonham com clones dos sucessos anteriores, não transmitem mensagens sociopolíticas; tocam pouco rock mas também não fazem novas apologias ao samba-só há um samba no disco, o belíssimo "Fez-se Mar" (Camelo).
No meio da convulsão moral do país, eles aparecem com um disco feito na serra (durante o verão) em que falam de pequenas dores, delicadezas, naturezas, abstrações. São apenas 12 músicas, todas com títulos curtos, escritos em minúsculas, como sussurros em meio à balbúrdia.
Camelo, especialmente, sussurra em suas composições. A exceção é "Horizonte Perdido", que tem vocação para levantar platéias. Nas outras seis, o canto é baixo, os arranjos são econômicos, as letras são de vidro.
Exemplos: "Parece que o amor chegou aí/ Eu não estava lá, mas eu vi" ("Fez-se Mar"); "Pra nós todo amor do mundo/ pra eles o outro lado" ("Morena", uma boa mistura de reggae com bossa nova); "Como se a alegria recolhesse a mão/ Pra não me alcançar" ("Sapato Novo", uma canção triste à beça, pontuada pelo vibrafone de Jota Moraes); "Manda avisar que esse daqui/ Tem muito mais amor pra dar" ("É de Lágrima", jóia singela que fecha o CD).
As cinco composições de Amarante refletem seu temperamento mais agitado, sua propensão para ocupar os silêncios mas também têm um travo melancólico. "Se é pra eu te verentão deixa eudormir", diz ele, com grafia peculiar, em "Os Pássaros", uma bela e estranha canção de amor em que os teclados de Bruno Medina traçam um vôo onírico, quase evocando sons progressivos, quase King Crimson.
É de Amarante "O Vento", a música que está tocando nas rádios, um dos momentos "rock" do CD. Ela abre uma espécie de lado B do disco, sucedendo aos dez segundos de silêncio sobre os quais a banda prefere não teorizar. "Horizonte Distante" e "Condicional" (Amarante), que vêm a seguir, completam o bloco mais movimentado.
O resto do disco é quase silêncio, se for perdoável o quase-clichê shakespeariano. O jeito é ouvir cada vez mais esses silêncios. Eles ficam cada vez mais bonitos.
(LFV)


4
Los Hermanos
   
Gravadora: Sony BMG
Quanto: R$ 29, em média


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