São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 2000


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ARNALDO JABOR
Entrevista inteligente com uma "loura burra"

-A mulher brasileira está mais livre hoje?
-Eu sou perua, mas sou inteligente... Não sou loura burra, mas finjo que sou, senão os homens fogem feito diabo da cruz. Mas, para você, faço uma exceção... Você viu a entrevista da Rosane Collor na "Veja"? Está tudo ali. É o manifesto da perua se assumindo. O que está acontecendo no Brasil é a libertação da "mulher-objeto". Não estão virando "sujeitos" livres, mas querem ser mais "objetos" ainda. Não é a mulher entrando no mercado de trabalho, não é a busca fraternal do diálogo com o parceiro a ser amado, mas a aceitação de uma luta eterna, de uma infinita incompreensão entre os sexos.
No Brasil consumista, narcisista, a mulher resolveu radicalizar sua inferioridade social, como se isso fosse uma libertação... É só olhar a "Caras" e a "Playboy". Ali estão as desesperadas tentativas da mulher de atingir poses de uma suposta independência.
-O que quer a mulher brasileira?
-Nós queremos ser doces inutilidades de consumo, mercadorias sedutoras, como um BMW, um avião, uma Kawasaki Ninja... O "sujeito" tem limites, tem inconsciente, angústias; já o "objeto" é feliz, não sofre. As mulheres querem a felicidade das coisas. Querem ser disputadas, consumidas, como um bom eletrodoméstico... Não há mais pontos de referência ética, estética, nada... Assim, na busca de elegância, tanta é a desinformação que a perua brasileira acaba sendo a mais malvestida do mundo... A democracia narcisista nos levou a assumir todas as vulgaridades, desde o meu visual Luís 15 cheio de ouros, rendas, panos coloridos, paetês, até meus peitos de silicone, coxas lipoaspiradas, bunda soerguida, vagina indomável, sorriso largo e debochado. Em suma, posso ser a Bovary, a Pompadour, a Tiazinha, a Julieta, posso ser tudo... Veja meu tipo. Que sou eu?...
Minha toalete é inspirada na monarquia rococó da França; todo o meu estilo é excessivo, cheio de curvas, volutas, refolhos, arrebiques -e a isso se agrega um ar descarado de cortesã que subiu na vida, gestos desabridos e provocadores de desafio, quase de luta. Sei também usar olhares profundos de mulher apaixonada, sei fazer poses aerodinâmicas evocando independência, vôo, desejo, tudo iluminado pelos indefectíveis sorrisos largos e congelados que podem oscilar do "romântico maternal" para o "joie de vivre de coquetel", mas sempre sorrisos, porque tristeza não é "comercial"... É preciso dar inveja nos leitores das colunas sociais, nas quais se passa a "vida feliz", longe do desemprego, da política, das crises econômicas....
-Mas vocês querem ser amadas?
-Antes de tudo, queremos o poder... Se antes as mulheres eram escravas passivas, hoje somos escravas ativas...
Somos aparentemente livres, mas sempre referenciadas ao homem, ao macho impalpável, ao macho ignorante, ao macho ganhador de dinheiro, que são os detentores do poder que podemos conquistar de tabela...
Para termos poder, é necessário uma permanente estratégia de controle sobre os machos, pela sedução, pela histeria, pela dissimulação, pela voz doce e fina, mas cheia de ameaças, pelo perigo dos chifres... Senão ele não nos respeita; senão ele nos pega, nos come e joga fora... Ele tem de ter quase uma inveja da nossa vagina, da nossa beleza. Nosso doce veneno tem de controlá-los; além de seduzi-los, temos de atemorizá-los... Para conseguir poder e dinheiro deles, temos de passar um certo perigo... A perua malvada é o "outro" do machão...
-E o sexo?
-Mesmo sendo frígidas, temos de anunciar um grande desempenho sexual. Não prometemos carinho; temos de prometer "funcionamento". Não é por acaso que eles nos chamam de "avião" ou de "máquina"... Temos de fasciná-los como um carro de luxo. O jogo de sedução tem de ser competitivo, mesmo sob a aparência de submissão... Temos de instilar perigo no coração dos homens para conseguir deles o que mais queremos: um poder dependente que nos legitime na sociedade... Os homens têm medo de ser amados com carinho... Ficam claustrofóbicos... Homem só ama mesmo pelo ciúme... Só amam quando perdem... Só o corno conhece o verdadeiro amor... Os homens deviam agradecer às adúlteras pela paixão que experimentam... Deviam dizer: "Obrigado por me traíres...".
-Você posaria nua?
-Não há mais o que mostrar... Nunca fomos tão nuas no Brasil... Nossa nudez tem limites... Já mostramos o corpo todo, as vaginas, o interior delas... Só restará, um dia, os intestinos... O que mais?
O estripamento? Talvez só o crime possa mostrar toda a nossa nudez... Você veja a Feiticeira... Não há mais o que rebolar; ela cada vez mais parece se transformar numa acrobata ou num atleta bicha ou, talvez, num cavalo... Sua nudez ameaça, assusta... Ela ataca os homens com sua vagina, se bem que, na vida real, quer apenas casar e ter filhos. Há uma dessexualização progressiva em nossas mulheres "sexy"... Lembram-me da frase de lady Macbeth, antes do crime: "Unsex me!"...
-Houve uma revolução feminina no Brasil?
-A revolução feminista no Brasil é esse striptease geral, é a dança da garrafa... Vejam o show do Gugu, do Malandro... As bundas estão virando uma utopia... O sexo total que nossas gostosas prometem é impossível... Os peitos de silicone estão cada vez maiores, estão virando depósitos de leite venenoso... Outro dia, um cara quase morreu chupando um peito. Engoliu silicone... A libertação da mulher no Brasil de hoje é uma vingança conservadora...
Viu só? Eu não sou loura burra, não. Sou perua, mas sou inteligente!...
Mas não revele meu nome, senão meu marido me mata.



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