São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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Após 15 anos, bruxo Ravengar fica bonzinho

Paulo Giandália/Folha Imagem
O ator e diretor Antonio Abujamra, em seu apartamento, em SP; ele já dirigiu 126 peças teatrais



Depois do marcante vilão de "Que Rei Sou Eu?", Antonio Abujamra volta em "Começar de Novo"

Ator faz papel "do bem" na nova novela das sete, mas continua com "Provocações" (Cultura), no qual já criticou a Globo



LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele tem cara de mau. E continua no imaginário de muito telespectador como o assustador bruxo Ravengar, o vilão de "Que Rei Sou Eu?", sucesso da Globo em 1989.
Hoje, aos 71, Antonio Abujamra não assusta mais criancinhas na novela das sete. Um dos mais importantes dramaturgos do país, conhecido por sua irreverência e pelas críticas ácidas, ele volta com destaque à televisão num papel "bonzinho", da romântica "Começar de Novo", de Antônio Calmon, no ar a partir de amanhã.
As "maldades" ficarão reservadas aos entrevistados de "Provocações", que apresenta nas noites de domingo, na Cultura. A grande "bruxaria" de Abujamra, aliás, é conseguir manter o programa no ar há quatro anos, sem patrocínio e com quase traço no Ibope.
Outro milagre: apesar de "Começar de Novo", permanecerá como apresentador da Cultura com autorização da Globo, que costuma exigir exclusividade dos artistas. Parece tão pacífico o acordo que o "Provocações" de hoje comemora o quarto aniversário com reportagem feita na Rússia, onde Abujamra gravou os primeiros capítulos da novela. Ele será o russo Dimitri, conselheiro do "mocinho" interpretado pelo cinqüentão Marcos Paulo.
Bondoso em "Começar de Novo", segue com ares de Ravengar em "Provocações". Há menos de um mês, fez críticas à Globo na entrevista com Marcelo Tas. Quando o apresentador do "Vitrine" disse que o canal é hoje o mais experimental do país, Abujamra interrompeu: "Calma com a Globo. Daqui a pouco vai pedir a Marluce [Dias da Silva, ex-diretora-geral da Globo] em casamento". E o "bruxo" continuou: ""Big Brother", Luciano Huck, Faustão, novelas, séries, jornais iguais aos da CNN, programação infantil de mercado, Xuxa, Ana Maria Braga. Considera isso experimental?".
É esse o paradoxal Abujamra, que adora chamar os jornalistas de medíocres e, antes de começar a conversa com a Folha, dá à repórter um broche da Rússia.
Leia abaixo trechos da entrevista, concedida em seu apartamento, em Higienópolis (São Paulo):
 

Folha - O sr. não gosta mesmo de dar entrevistas e acha os jornalistas brasileiros medíocres?
Antonio Abujamra -
Não gosto. Quando pergunto a jornalistas no "Provocações" se eles têm ética, a resposta parece difícil. Falam em "éticas". E nunca é publicado exatamente o que a gente fala. Já falei tanto, o Brasil continua a mesma merda, que não quero mais falar com jornalista. Há muita gente nova para falar. Não digo que o jornalista brasileiro seja medíocre. O Brasil é culturalmente medíocre. Se o país tem essa mediocridade, vocês acreditam que o jornalismo seja superior a isso?

Folha - De onde vem essa sina de provocador, irreverente? O que diria aos que julgam ser marketing?
Abujamra -
Não acho que seja provocador. Sou provocado pelas coisas que ocorrem. Aparento uma provocação quando as pessoas me enchem muito o saco. Digo: "Quem pensa buscar o certo é um intelectual. Se todos pensam buscar o certo, todos são intelectuais. Ratinho pensa buscar o certo, então é um intelectual". Sou malvado, né? [risos]. Provocar é pôr as coisas no lugar, sei lá.

Por que adora as citações?
Abujamra -
Tudo o que a gente fala é muito pior do que as citações de Shakespeare. As conversas cotidianas parecem sempre ser medíocres. As pessoas deveriam descobrir novas defesas. Eu procuro usar coisas bonitas. No teatro, o feio tem de ser bonito.

Folha - Isso o torna romântico?
Abujamra -
Jamais. Romântico tem que se f... O amor é horrível. Sou casado há 48 anos com a mesma mulher. Estado civil: ridículo.

Folha - A TV brasileira está cada vez pior ou sempre foi um rascunho, como o sr. costuma dizer?
Abujamra -
A TV brasileira é ainda virgem. Tem de rascunhar muito, não é obra terminada.

Folha - O sr. realmente odeia Ravengar ou isso é falsa modéstia?
Abujamra -
Odiar, falei isso? Eu me considero um grande canastrão. Não sou ator, sou carisma, personalidade. O Ravengar foi sucesso, e eu fui junto. Hoje virei pavão. Entro em cena e já sou protagonista, mesmo que fale uma palavra. Poderia ter feito Ravengar melhor? Poderia. Poderia ter organizado minha vida melhor com Ravengar? Poderia. Mas sou o rei da incoerência, uma catástrofe administrativa. Jogo em cavalos.

Folha - O sr. atuou em "Antonio Alves, o Taxista" (SBT, 1996). Ainda dá para fazer novela fora da Globo?
Abujamra -
Claro, mas a Globo sabe que é preciso reunir talentos. Joga a garotada lá, mas bota um Lima Duarte, uma Marília Pêra.

Folha - Marcelo Tas disse que a Globo é a TV mais experimental do país. O sr. perguntou: "Ana Maria Braga etc. Isso é fazer TV experimental?". Devolvo a provocação.
Abujamra -
O Brasil não vai bem. Por que quer que a TV vá? A TV brasileira precisa ser boa? Os dirigentes de TV descobriram que não. O público acompanha. Tem de ter a inteligência na frente. E normalmente preferem o cansaço. Olha que frase! Mas há momentos em que a TV escolhe: isso tem de ser bem cuidado, como "Um Só Coração", "Os Maias".

Folha - É possível, então, aceitar as contradições da Globo.
Abujamra -
E qual é a profissão pela qual não se tenha amor e ódio? E o local de trabalho? Quantas vezes você já ficou irritada na Folha? E quantas vezes já gostou de fazer uma entrevista?

Folha - O sr. foi professor de Carlos Lombardi ("Uga Uga", "Kubanacan"). Não foi em suas aulas que ele aprendeu a colocar homens sem camisa nas novelas, foi?
Abujamra -
Ele é sabido. Viu que botando garotada sem camisa dá excitação nas menininhas. Então usa mesmo, com consciência. É um estilo. Vai ser sempre o escritor do clipe ágil, da brincadeira, de uma determinada visão que considero política. Tudo parece simples, mas ele sabe o que faz.

Folha - Atuaria em novela dele?
Abujamra -
Sou ator. Faço teatro, cinema, michê. Não, michê não.

Folha - Já fez 200 entrevistas em "Provocações". Foi melhor com [o poeta] Décio Pignatari ou [o autor de auto-ajuda] Lair Ribeiro?
Abujamra -
É uma canalha, né? Jornalista marrom. É melhor perguntar: "Quem são os melhores entrevistados?". Direi: os da rua.


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