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Cinema sem risco
Sistema de incentivo para filmes brasileiros desestimula concorrência; para secretário de Cultura paulistano, modelo fracassou; produtores reagem e governo federal diz que atividade é estratégica
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
No Brasil, existe uma atividade produtiva em que fracasso
comercial não significa necessariamente prejuízo: o cinema.
Amparados pelas leis de renúncia fiscal, os filmes brasileiros se pagam antes de estrear.
Ou melhor, conseguem reunir
em patrocínio todo o dinheiro
necessário à sua produção.
Para estar de acordo com as
leis (que autorizam o destino
de parte do Imposto de Renda
devido à produção cultural),
um filme incentivado por dinheiro público não tem a obrigação de ser lançado. Basta que
fique pronto, para justificar o
aproveitamento dos aportes.
"Com esse sistema, você está
dispensado de qualquer resultado, seja artístico ou comercial", diz o secretário municipal
de Cultura de São Paulo, Carlos
Augusto Calil.
Ainda bem que é assim para
quase todos os que lançaram
seus filmes neste ano. Se fiasco
de bilheteria fosse sinônimo de
contas no vermelho, o setor
avistaria a bancarrota em 2006.
Entre 42 longas estreados até
a primeira quinzena deste mês,
23 ficaram abaixo dos 10 mil espectadores. Apenas dois tiveram público acima de 1 milhão:
"Se Eu Fosse Você" (3,6 milhões), e "Didi - O Caçador de
Tesouros" (1,01 milhão), segundo dados do portal Filme B.
As projeções indicam que
"Zuzu Angel" chegará a 1,3 milhão de espectadores. As apostas na recuperação apontam
mais três candidatos ao sucesso
(leia quadro nesta página).
Quanto ao quadro atual, "não
adianta pôr a culpa no público.
Esquizofrenia
Esses filmes não são dirigidos ao público. São feitos para
agradar júris [dos concursos de
patrocínio]", diz Calil, que já foi
presidente da Embrafilme, diretor da Cinemateca Brasileira
e professor de cinema na USP.
Com o respaldo de seu currículo, o secretário disse a uma
platéia de produtores e cineastas o que ninguém gosta de ouvir. Na Feira Internacional da
Indústria do Cinema e do Audiovisual, na semana passada,
em São Paulo, Calil criticou "o
peso excessivo do Estado, que é
mais compensatório do que estruturante, quando os incentivos fiscais substituem o mercado, como ocorre agora" e apontou a "esquizofrenia" do cinema nacional, contida na idéia
de cineastas de que "é desagradável fazer sucesso", já que a
popularidade indica comunhão
do pensamento "do intelectual" com o gosto "populacho".
Em suma, Calil pediu o fim
da era dos incentivos, que deveriam ter sido um substituto ao
modelo estatista da Embrafilme e acabaram criando, na opinião dele, relação de dependência ainda maior do cinema com
o Estado. "Chega de incentivos.
Vamos aos resultados!"
Manoel Rangel, diretor da
Agência Nacional do Cinema,
que regula o setor, ouviu o recado e deu o seu: "A meta do Estado é manter o Brasil como centro de produção audiovisual.
Considera-se isso um desafio
importante e um traço distintivo no cenário mundial".
A reação não parou aí. "Do
ponto de vista dos produtores,
o recurso do incentivo fiscal é
acima de qualquer suspeita. O
que a gente quer é mais e melhor -mais em quantidade e
melhor em modalidade [de distribuição]", disse o produtor e
diretor Alain Fresnot.
A última estréia de Fresnot
foi "Desmundo" (2003), filme
de época falado em português
castiço (exibido com legendas),
premiado em festivais e bem
avaliado pela crítica. Com R$
4,2 milhões captados, fez 98 mil
espectadores. Desde então, o
diretor inscreve nos concursos
de patrocínio seu novo projeto
de longa, "Xique no Úrtimo",
orçado em R$ 3,3 milhões.
A espera na fila de patrocínio
é algo que o diretor e produtor
Daniel Filho desconhece. Autor do único grande sucesso da
temporada, "Se Eu Fosse Você", neste ano ele ainda lançará
"Muito Gelo e Dois Dedos d'Água" (6/10) e prepara a adaptação de "O Primo Basílio" e a cinebiografia de Chico Xavier.
Com seguidos êxitos populares, Filho conquistou também
patrocinadores regulares. "Todo filme que eu faço a Goodyear
dá dinheiro. Eu estou contentinho. A Goodyear também está.
Eu passo o balãozinho da
Goodyear [em cenas de merchandising nos filmes]", diz.
Segundo Filho, "não só o cinema, mas nada que se faz em
arte no Brasil hoje se paga sem
patrocínio". Ele diz que, mesmo no caso de filmes "com rendas imensas", o lucro não vai
para as mãos do produtor ou do
diretor. "Se Eu Fosse Você"
captou R$ 4,2 milhões pelas leis
e teve renda de R$ 28 milhões.
No entanto Filho cita outro
exemplo: ""Cidade de Deus"
[2002] é um filme de grande sucesso mundial, no qual tenho
uma porcentagem [como produtor]. Não vi um tostão".
No mercado de cinema, é comum reinvestir a renda obtida
na bilheteria em mais publicidade, com a meta de impulsionar o lucro do filme nas etapas
seguintes - DVD e televisão.
"Absurdo"
A estratégia vale, é claro, para
filmes que tenham feito sucesso nas salas de cinema, a primeira plataforma de lançamento. Não foi esta a experiência de "Gaijin - Ama-me Como
Sou" (2005), de Tizuka Yamasaki, que obteve R$ 10 milhões
e teve 52 mil espectadores.
Yamasaki prepara as filmagens de "Amazônia Caruana",
orçado em R$ 10,4 milhões. "É
um absurdo", na opinião dos
produtores da Pax Filmes, recém-chegados ao mundo do cinema brasileiro, com a idéia de
produzir dez longas a R$ 50 mil
cada um. No site da Pax Filmes,
o texto "Cinema para que(m),
Tizuka?" questiona o fato de a
diretorater outra superprodução com incentivos fiscais após
um fracasso comercial.
Yamasaki falou à Folha sobre o resultado de "Gaijin
-Ama-me como Sou": "Custou
caro? Para o custo médio do cinema nacional, sim. Se considerarmos a média do cinema
mundial, não. Levamos oito
anos dedicados a esse trabalho.
Busquei real por real. Trouxemos para esse mercado investidores que nem sabiam que podiam usar leis de incentivos. É
um filme de vida longa. Será
muito requisitado por escolas,
palestras, seminários", afirma.
A cineasta responde às críticas afirmando que não quer filmar "a Amazônia, cobiçada pelo mundo, com um empreendimento tímido de R$ 50 mil.
Nem haveria como, visto a
imensidão da Amazônia, as dificuldades impostas pela própria natureza e a importância
desse cenário."
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