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Crítica/erudito
Com GMJO, Hampson valoriza vertigens de Mahler
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Thomas Hampson é um
cantor tão impressionante e são tão impressionantes as canções de Mahler
(1860-1911) que, ao final da primeira parte, podia-se dar por
encerrado o concerto da Gustav Mahler Jugendorchester
(GMJO), e sairia todo mundo
alimentado de música até o ano
que vem. Mas ainda tinha a
"Sexta Sinfonia" inteira, um incentivo e tanto para permanecer na Sala São Paulo, considerando-se a força da moçada e do
regente (quase tão moço quanto eles) Philippe Jordan.
Hampson é o barítono dos
barítonos. Tem uma voz capaz
de fazer tremer as paredes da
Estação Júlio Prestes, mas jamais emprega essa potência em
qualquer sentido que não seja
valorizar o que está cantando.
Foi ele mesmo o responsável
pela edição crítica das canções
do ciclo "A Trompa Mágica do
Menino", uma coleção de 24
canções compostas por Mahler
em vários períodos.
Os textos são antigos poemas
alemães, recolhidos por Brentano e Arnim em 1808. De fonte
semelhante vêm também outras duas canções de Mahler
que Hampson cantou com a
GMJO, orquestradas na década
de 1980 por Luciano Berio.
O conjunto de seis canções
formava uma seqüência, centrada na figura de soldados perdedores, trucidados num mundo violento, em que a única salvação é o afeto. O gênio de
Mahler transforma poemas
simples em música de enorme
contundência, com camadas de
sentido. E a encenação de
Hampson, alterando a expressão do rosto, erguendo ou baixando minimamente o tronco,
era toda a ópera que se quer:
quase nada exceto o teatro da
música, encenado no palco e na
cabeça de cada um de nós.
À frente de uma orquestra
cuja média de idade gira em
torno de 23 anos, o maestro
suíço, de 31, agia como um veterano. Jordan é hoje o principal
regente convidado da Ópera de
Berlim; e tudo indica que será
um dos grandes nomes dessa
nova geração. Rege com gana,
sem perder a cabeça. Rege com
uma lucidez musical que jamais perde o pulso, nos dois
sentidos da palavra: tempo e
paixão. E não faz teatro: dança
com os braços, para esclarecer
a música.
Fundada por Claudio Abbado em 1986, a GMJO, que a cada ano seleciona músicos de
países da Europa para uma
temporada de aulas, ensaios e
concertos, é o maior celeiro de
talentos do continente. Tocando a "Sexta", a gigantesca orquestra (só de violinos, são 38)
fez de Mahler, ao mesmo tempo, filosofia e vertigem, alucinação e crítica.
Mahler é um mundo: o nosso
mundo, dinamitado por dentro
e refeito como idéia. Uma idéia
reforçada ali pela presença
concreta de gente moça, salva,
mais uma vez, pela música.
AVALIAÇÃO: ótimo
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