São Paulo, quarta-feira, 29 de agosto de 2007

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Crítica/erudito

Com GMJO, Hampson valoriza vertigens de Mahler

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Thomas Hampson é um cantor tão impressionante e são tão impressionantes as canções de Mahler (1860-1911) que, ao final da primeira parte, podia-se dar por encerrado o concerto da Gustav Mahler Jugendorchester (GMJO), e sairia todo mundo alimentado de música até o ano que vem. Mas ainda tinha a "Sexta Sinfonia" inteira, um incentivo e tanto para permanecer na Sala São Paulo, considerando-se a força da moçada e do regente (quase tão moço quanto eles) Philippe Jordan.
Hampson é o barítono dos barítonos. Tem uma voz capaz de fazer tremer as paredes da Estação Júlio Prestes, mas jamais emprega essa potência em qualquer sentido que não seja valorizar o que está cantando. Foi ele mesmo o responsável pela edição crítica das canções do ciclo "A Trompa Mágica do Menino", uma coleção de 24 canções compostas por Mahler em vários períodos.
Os textos são antigos poemas alemães, recolhidos por Brentano e Arnim em 1808. De fonte semelhante vêm também outras duas canções de Mahler que Hampson cantou com a GMJO, orquestradas na década de 1980 por Luciano Berio.
O conjunto de seis canções formava uma seqüência, centrada na figura de soldados perdedores, trucidados num mundo violento, em que a única salvação é o afeto. O gênio de Mahler transforma poemas simples em música de enorme contundência, com camadas de sentido. E a encenação de Hampson, alterando a expressão do rosto, erguendo ou baixando minimamente o tronco, era toda a ópera que se quer: quase nada exceto o teatro da música, encenado no palco e na cabeça de cada um de nós.
À frente de uma orquestra cuja média de idade gira em torno de 23 anos, o maestro suíço, de 31, agia como um veterano. Jordan é hoje o principal regente convidado da Ópera de Berlim; e tudo indica que será um dos grandes nomes dessa nova geração. Rege com gana, sem perder a cabeça. Rege com uma lucidez musical que jamais perde o pulso, nos dois sentidos da palavra: tempo e paixão. E não faz teatro: dança com os braços, para esclarecer a música.
Fundada por Claudio Abbado em 1986, a GMJO, que a cada ano seleciona músicos de países da Europa para uma temporada de aulas, ensaios e concertos, é o maior celeiro de talentos do continente. Tocando a "Sexta", a gigantesca orquestra (só de violinos, são 38) fez de Mahler, ao mesmo tempo, filosofia e vertigem, alucinação e crítica.
Mahler é um mundo: o nosso mundo, dinamitado por dentro e refeito como idéia. Uma idéia reforçada ali pela presença concreta de gente moça, salva, mais uma vez, pela música.


AVALIAÇÃO: ótimo

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