São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2008

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Crítica

Tema ousado tem embalagem convencional

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Não surpreende que "Shortbus" tenha sido um sucesso de estima na 30ª Mostra de Cinema de São Paulo, em 2006: na pasmaceira da produção industrial contemporânea, suas escolhas configuram ousadia que o encaminha para o nicho dos "cult movies" e dos "midnight movies" (filmes malditos programados em sessões da meia-noite).
Aqui, o tratamento franco da sexualidade investe, de maneira enfática, contra antigos tabus da indústria cinematográfica. Seios e bundas, por exemplo, são tolerados até em filmes relativamente comportados para famílias, mas um pênis ereto é transgressão quase inaceitável - e imagens explícitas de ejaculação, de acordo com os padrões habituais de longas de ficção, pertenceriam ao domínio da pornografia.
Logo na abertura, "Shortbus" oferece um punhado de pênis eretos em cenas de masturbação, autofelação e ejaculação. Ao longo do filme, outras imagens de sexo explícito vão contribuir, pela simples repetição, para que sejam vistas não como exceção, mas com naturalidade, elemento indispensável ao modo com que o diretor John Cameron Mitchell quer ver seus personagens.
São todos vistos bem de perto e sem roupa, nos sentidos estrito e figurado do termo. Shortbus é o nome de um clube noturno ultraliberal de Nova York onde vários deles se encontram, mas as conexões entre suas vidas não se restringem a isso. Um dos centros de gravidade da ação está no consultório de uma terapeuta de casais (Sook-Yin Lee) que, paradoxalmente, não consegue chegar ao orgasmo com seu parceiro (Raphael Barker).
Entre seus clientes, um casal de James em que um deles (Paul Dawson) faz em segredo um vídeo de despedida para o outro (PJ DeBoy), que o ama incondicionalmente.
As políticas do corpo são examinadas em detalhe, inclusive anatômicos, mas a política da dramaturgia praticada por Mitchell é conservadora: a apresentação e resolução dos dramas de seus personagens obedece, também paradoxalmente, às velhas regras da dramaturgia hollywoodiana. Um pouquinho de Fassbinder, por exemplo, talvez não fizesse mal.


SHORTBUS
Produção: EUA, 2006
Direção: John Cameron Mitchell
Onde: a partir de hoje no Espaço Unibanco e Reserva Cultural
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: regular



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