São Paulo, sábado, 29 de setembro de 2001

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DANÇA

Virtuosismo e desconforto de Deborah Colker

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Gestos automáticos, que se encadeiam em sequências atléticas, em que o corpo parece superar os limites físicos da gravidade: são a marca da Cia. de Dança Deborah Colker, em cartaz no Sérgio Cardoso até domingo.
"Mix" reúne trechos dos dois primeiros espetáculos da companhia, "Vulcão" (1994) e "Velox" (1995). A cena final é seu ponto literalmente alto: os bailarinos escalam a parede no fundo do palco e se projetam no ar, criando imagens de grande força. A associação do esporte com a dança é eletrizante e explica, por si, o sucesso internacional da companhia.
Mas há aqui um grande risco: a busca de formas ideais do corpo no espaço pode tanto ser uma originalidade e uma virtude quanto esvaziar de sentido a coreografia.
Em "Sonar" (parte de "Velox"), por exemplo, no qual a gravidade é testada no solo e o equilíbrio é dado pelo controle muscular de cada um, o resultado tira o fôlego da platéia, sem fazer alarde.
Já em outras cenas, em que, como diz o programa, "uma coleção de gestos ordinários" se mistura com "a linguagem contemporânea", as soluções não chegam à altura de suas ambições. Os clichês não se transfiguram, afinal, pela ironia, a dança "aerobiza" no vazio, e o que parece querer dizer muito não vai muito além desse parece.
"Paixão" sugere questões de outra ordem. Casais se encontram e se desencontram, num entrechoque de corpos, ao som de uma colagem de canções de amor (de Roberto Carlos a Serge Gainsbourg, passando por clássicos do kitsch brasileiro e norte-americano, e com direito até a uma citação deslocada de "Suíte Nš 6 para Violoncelo", de Bach).
O banal serve de máscara da verdade? A pergunta é antiga, a resposta, infelizmente, também, e "Paixão" cozinha essa complacência no fogo do sentimentalismo.
Com enorme virtuosismo, é bom que se diga. Homens carregam as mulheres e vice-versa, em apoios que parecem fáceis, talvez, para o espectador, mas que exigem preparo físico supremo e sincronia perfeita.
Veja-se o momento em que uma das mulheres está apoiada somente no ombro do parceiro, com o corpo todo esticado, e os dois giram cada vez mais rápido, sem perder o controle nesse contato ínfimo. É apenas um exemplo da qualidade homogeneamente alta dos bailarinos, tão bem ensaiados por Jacqueline Mota.
Se alguém sobressai, é Jefferson Antônio. Do hip hop e do rap ao contemporâneo, ele transita entre as várias linguagens como se isso fosse a coisa mais natural. A sobreposição de registros, outra marca de Deborah Colker, tem nele a encarnação mais viva.
Reclamar dos decibéis não faz sentido, quando se percebe que a agressão sonora faz parte do espetáculo. Mas a zoada nos ouvidos permanece por mais tempo do que a memória da dança.
Colker conseguiu, em pouquíssimo tempo, criar um registro novo e popular para a dança no país. Mas o sentido infinito e a beleza infinita que se intui por trás dessa dança continuam escapando a ela. Talvez não caiba à coreógrafa outra tarefa mais elevada do que descobrir, na superfície da sua dança, onde se abrem as brechas para o fundo.


Mix
  
Com: Cia. de Dança Deborah Colker
Quando: hoje e sábado, às 21h30, e domingo, às 18h Onde: teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, região central, São Paulo, tel. 0/xx/11/288-0136)
Quanto: R$ 15




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