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DANÇA
Virtuosismo e desconforto de Deborah Colker
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Gestos automáticos, que se
encadeiam em sequências
atléticas, em que o corpo parece
superar os limites físicos da gravidade: são a marca da Cia. de Dança Deborah Colker, em cartaz no
Sérgio Cardoso até domingo.
"Mix" reúne trechos dos dois
primeiros espetáculos da companhia, "Vulcão" (1994) e "Velox"
(1995). A cena final é seu ponto literalmente alto: os bailarinos escalam a parede no fundo do palco
e se projetam no ar, criando imagens de grande força. A associação do esporte com a dança é eletrizante e explica, por si, o sucesso
internacional da companhia.
Mas há aqui um grande risco: a
busca de formas ideais do corpo
no espaço pode tanto ser uma originalidade e uma virtude quanto
esvaziar de sentido a coreografia.
Em "Sonar" (parte de "Velox"),
por exemplo, no qual a gravidade
é testada no solo e o equilíbrio é
dado pelo controle muscular de
cada um, o resultado tira o fôlego
da platéia, sem fazer alarde.
Já em outras cenas, em que, como diz o programa, "uma coleção
de gestos ordinários" se mistura
com "a linguagem contemporânea", as soluções não chegam à altura de suas ambições. Os clichês
não se transfiguram, afinal, pela
ironia, a dança "aerobiza" no vazio, e o que parece querer dizer
muito não vai muito além desse
parece.
"Paixão" sugere questões de outra ordem. Casais se encontram e
se desencontram, num entrechoque de corpos, ao som de uma colagem de canções de amor (de Roberto Carlos a Serge Gainsbourg,
passando por clássicos do kitsch
brasileiro e norte-americano, e
com direito até a uma citação deslocada de "Suíte Nš 6 para Violoncelo", de Bach).
O banal serve de máscara da
verdade? A pergunta é antiga, a
resposta, infelizmente, também, e
"Paixão" cozinha essa complacência no fogo do sentimentalismo.
Com enorme virtuosismo, é
bom que se diga. Homens carregam as mulheres e vice-versa, em
apoios que parecem fáceis, talvez,
para o espectador, mas que exigem preparo físico supremo e sincronia perfeita.
Veja-se o momento em que
uma das mulheres está apoiada
somente no ombro do parceiro,
com o corpo todo esticado, e os
dois giram cada vez mais rápido,
sem perder o controle nesse contato ínfimo. É apenas um exemplo da qualidade homogeneamente alta dos bailarinos, tão bem
ensaiados por Jacqueline Mota.
Se alguém sobressai, é Jefferson
Antônio. Do hip hop e do rap ao
contemporâneo, ele transita entre
as várias linguagens como se isso
fosse a coisa mais natural. A sobreposição de registros, outra
marca de Deborah Colker, tem
nele a encarnação mais viva.
Reclamar dos decibéis não faz
sentido, quando se percebe que a
agressão sonora faz parte do espetáculo. Mas a zoada nos ouvidos
permanece por mais tempo do
que a memória da dança.
Colker conseguiu, em pouquíssimo tempo, criar um registro novo e popular para a dança no país.
Mas o sentido infinito e a beleza
infinita que se intui por trás dessa
dança continuam escapando a
ela. Talvez não caiba à coreógrafa
outra tarefa mais elevada do que
descobrir, na superfície da sua
dança, onde se abrem as brechas
para o fundo.
Mix
Com: Cia. de Dança Deborah Colker
Quando: hoje e sábado, às 21h30, e
domingo, às 18h
Onde: teatro Sérgio Cardoso (r. Rui
Barbosa, 153, região central, São Paulo,
tel. 0/xx/11/288-0136)
Quanto: R$ 15
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