São Paulo, sábado, 29 de setembro de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"CONTOS DE AMOR..."

Coletânea do escritor uruguaio é lançada no Brasil

Quanto menor o espaço, mais perfeito é Horacio Quiroga

RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No ensaio "Do Conto Breve e Seus Arredores", Julio Cortázar chama a atenção para o último mandamento do célebre "Decálogo do Perfeito Contista", estabelecido em 1927 pelo uruguaio Horacio Silvestre Quiroga (1878-1937). "Conta como se a narrativa não tivesse interesse a não ser para o pequeno ambiente de tuas personagens, das quais pudeste ter sido uma. Não há outro modo para se obter a vida no conto."
Se, como acreditava Cortázar, o texto revela "uma lucidez impecável" do autor, "Contos de Amor, de Loucura e de Morte" - que devolve Quiroga às estantes das livrarias brasileiras- é uma das obras em que ele melhor realiza seu próprio mandamento.
O livro, lançado em 1917, começou a nascer em 1905, ano em que Horacio Quiroga passou a colaborar com a revista argentina "Caras y Caretas". Ao ser convidado, em 1916, para publicar um volume de contos na Cooperativa Editorial, recém-fundada em Buenos Aires pelo escritor Manuel Gálvez, Quiroga debruçou-se sobre sua produção, por assim dizer, "jornalística" - e dela saiu uma obra que, embora desigual, o alçaria ao posto de um dos mestres pioneiros do conto latino-americano contemporâneo.
A limitação de espaço imposta pelos periódicos em que escrevia serviu para que o ficcionista uruguaio se exercitasse no tal "pequeno ambiente" de suas criaturas.
Não por acaso, as melhores histórias de "Contos de Amor, de Loucura e de Morte" alinham-se entre as de menor extensão do livro. Em nove páginas, "A Insolação" e "A Galinha Degolada" representam o que de mais poderoso pôde criar a ficção de Horacio Quiroga. Na primeira delas, publicada em "Caras y Caretas" em março de 1908, um grupo de cães vê a morte aproximar-se de seu dono, até a "trombada" fatal. Na outra, que também veio a público em "Caras y Caretas" (julho de 1909), um crime desconcertante desaba sobre um casal que, depois de ter quatro filhos mentalmente perturbados, pensava haver encontrado a paz com o nascimento de uma menina sadia.
Em ambas narrativas, o controle do escritor sobre as histórias é tamanho que faz com que o leitor o continue seguindo -como se nada mais interessasse a não ser a morte que aguarda os personagens nas últimas linhas.
A morte, aliás, assombra quase o volume inteiro, e esta -inescapável dizer- foi na verdade o grande tema do ficcionista.
Compreenda-se. Seu pai morreu quando ele tinha dois meses de idade, vítima do disparo acidental de uma escopeta. O padrasto se suicidaria com a mesma arma (Horacio Quiroga tinha na época 17 anos). Em 1902, o escritor matou, acidentalmente, com um tiro de revólver, seu melhor amigo, Federico Ferrando. Em 1915, o ficcionista perderia sua primeira mulher, que se suicidou após uma discussão com ele. Em 1937, depois de saber que tinha câncer, Quiroga pôs fim à própria vida, envenenando-se, na capital argentina, com cianureto, o que o poupou do desgosto de ver a filha e o filho se matarem também.
Como todo grande escritor, Horacio Quiroga não separava autobiografia e obra. Por essa razão, o décimo mandamento do seu "Decálogo do Perfeito Contista" fala na possibilidade de o autor ser uma de suas personagens, concluindo, como se anotou no início: "Não há outro modo para se obter a vida no conto". Para obter a vida no conto, Quiroga explorou a morte para continuar vivo.


Rinaldo Gama é mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP, editor-executivo dos "Cadernos de Literatura Brasileira" e autor de "O Guardador de Signos: Caeiro em Pessoa" (Perspectiva/ IMS, 1995, ensaio)
Contos de Amor, de Loucura e de Morte



   
Autor: Horacio Silvestre Quiroga
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (176 págs.)




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