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LIVROS/LANÇAMENTOS
"CONTOS DE AMOR..."
Coletânea do escritor uruguaio é lançada no Brasil
Quanto menor o espaço, mais
perfeito é Horacio Quiroga
RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
No ensaio "Do Conto Breve
e Seus Arredores", Julio Cortázar chama a atenção para o último mandamento do célebre "Decálogo do Perfeito Contista", estabelecido em 1927 pelo uruguaio
Horacio Silvestre Quiroga (1878-1937). "Conta como se a narrativa
não tivesse interesse a não ser para o pequeno ambiente de tuas
personagens, das quais pudeste
ter sido uma. Não há outro modo
para se obter a vida no conto."
Se, como acreditava Cortázar, o
texto revela "uma lucidez impecável" do autor, "Contos de Amor,
de Loucura e de Morte" - que
devolve Quiroga às estantes das livrarias brasileiras- é uma das
obras em que ele melhor realiza
seu próprio mandamento.
O livro, lançado em 1917, começou a nascer em 1905, ano em que
Horacio Quiroga passou a colaborar com a revista argentina
"Caras y Caretas". Ao ser convidado, em 1916, para publicar um
volume de contos na Cooperativa
Editorial, recém-fundada em
Buenos Aires pelo escritor Manuel Gálvez, Quiroga debruçou-se sobre sua produção, por assim
dizer, "jornalística" - e dela saiu
uma obra que, embora desigual, o
alçaria ao posto de um dos mestres pioneiros do conto latino-americano contemporâneo.
A limitação de espaço imposta
pelos periódicos em que escrevia
serviu para que o ficcionista uruguaio se exercitasse no tal "pequeno ambiente" de suas criaturas.
Não por acaso, as melhores histórias de "Contos de Amor, de
Loucura e de Morte" alinham-se
entre as de menor extensão do livro. Em nove páginas, "A Insolação" e "A Galinha Degolada" representam o que de mais poderoso pôde criar a ficção de Horacio
Quiroga. Na primeira delas, publicada em "Caras y Caretas" em
março de 1908, um grupo de cães
vê a morte aproximar-se de seu
dono, até a "trombada" fatal. Na
outra, que também veio a público
em "Caras y Caretas" (julho de
1909), um crime desconcertante
desaba sobre um casal que, depois
de ter quatro filhos mentalmente
perturbados, pensava haver encontrado a paz com o nascimento
de uma menina sadia.
Em ambas narrativas, o controle do escritor sobre as histórias é
tamanho que faz com que o leitor
o continue seguindo -como se
nada mais interessasse a não ser a
morte que aguarda os personagens nas últimas linhas.
A morte, aliás, assombra quase
o volume inteiro, e esta -inescapável dizer- foi na verdade o
grande tema do ficcionista.
Compreenda-se. Seu pai morreu quando ele tinha dois meses
de idade, vítima do disparo acidental de uma escopeta. O padrasto se suicidaria com a mesma
arma (Horacio Quiroga tinha na
época 17 anos). Em 1902, o escritor matou, acidentalmente, com
um tiro de revólver, seu melhor
amigo, Federico Ferrando. Em
1915, o ficcionista perderia sua
primeira mulher, que se suicidou
após uma discussão com ele. Em
1937, depois de saber que tinha
câncer, Quiroga pôs fim à própria
vida, envenenando-se, na capital
argentina, com cianureto, o que o
poupou do desgosto de ver a filha
e o filho se matarem também.
Como todo grande escritor, Horacio Quiroga não separava autobiografia e obra. Por essa razão, o
décimo mandamento do seu "Decálogo do Perfeito Contista" fala
na possibilidade de o autor ser
uma de suas personagens, concluindo, como se anotou no início: "Não há outro modo para se
obter a vida no conto". Para obter
a vida no conto, Quiroga explorou a morte para continuar vivo.
Rinaldo Gama é mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP, editor-executivo dos "Cadernos de Literatura Brasileira" e autor de "O Guardador de Signos: Caeiro em Pessoa" (Perspectiva/
IMS, 1995, ensaio)
Contos de Amor, de Loucura e
de Morte
Autor: Horacio Silvestre Quiroga
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (176 págs.)
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