São Paulo, segunda, 29 de setembro de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA
Em "14 Quilates", cantor apresenta composições com temas sociais e regrava "Ébano", um de seus grandes sucessos
Novo CD recupera Luiz Melodia compositor

PAULO VIEIRA
enviado especial ao Rio

Após um silêncio de 6 anos, Luiz Melodia está de volta à composição. No disco anterior, "Relíquias" (95), Melodia apenas se regravou em arranjos "Globo de Ouro". Inéditas, só em 91, com "Pintando o Sete", disco com o qual finalmente alcançou o sucesso, interpretando uma de Cazuza.
Seu "14 Quilates", CD que lança agora, tem pouco do Melodia de interpretação livre e rasgada dos anos 70. Mas, como ele mesmo disse, se pudesse, regravaria seus discos antigos de novo. Ele recebeu a Folha na última sexta-feira, para esta entrevista.

Folha - Seis anos sem gravar músicas inéditas. Você continua com sua cadência própria, jamais lançando o disco anual.
Luiz Melodia
- Não vejo motivo nenhum para lançar disco atrás do outro. Eu acredito em inspiração. Eu estava bem preguiçoso em relação à composição. Aí reencontrei um amigo e parceiro (Ricardo Augusto) num show. Nos juntamos e em dois dias fizemos seis músicas.
Folha - Ao contrário do que pensa a crítica, os artistas que fizeram coisas importantes nos anos 70 são unânimes em afirmar que estão melhores agora. Você também se vê assim?
Melodia
- Eu acho que sim, porque o processo tende a cada dia melhorar. Eu acho que dei uma boa interpretação nesse novo disco, procurei com mais atenção participar dele. Esse é o segundo disco com o mesmo produtor. O produtor é um pai para você.
Folha - Mas você não parece ser daqueles que jogam tudo na mão do produtor...
Melodia -
Não jogo na mão de ninguém. Desde que entrei nessa parafernália, eu procuro deixar claro que sou indomável. Falavam que eu brigava com as gravadoras, isso virou até folclore. Simplesmente não aceito certas imposições. Na Warner, um produtor queria que eu fizesse uma música de refrão para poder "acontecer", fazer puxar um disco. Isso não existe. Quando desci o morro de São Carlos, e me disseram que eu era interessante, procurei fazer aquilo que eu sabia. Se deixar no natural, fica bem legal.
Folha - Por que regravar "Ébano"?
Melodia -
Foi pedido de meu público. Sempre foi a mais pedida, até mesmo que "Magrelinha". Estava pensando em gravar no "Relíquias", mas não aconteceu.
Folha - Você nunca sentiu desejo ou necessidade de falar mais sobre a negritude?
Melodia -
Acredito que as coisas deveriam ser benéficas para todos, para qualquer pele, qualquer cor. Eu não me ligo diretamente em militância. Minha música é o que eu posso fazer diante de uma coisa tão cruel como o racismo.
Folha - Eu fui assistir a um show seu com o Eduardo Dusek, em 87, em São Paulo, e você não conseguia cantar, dar prosseguimento ao negócio. Está tudo bem com as bebidas, porque chegou a te atrapalhar bastante, não?
Melodia -
Não, não. Eu não me lembro desse show e nunca tive problema com bebidas junto com minha vida artística. Eu continuo bebendo, normal. Eu parei de beber gelado... E depois não é álcool, cachaça, isso que você está falando, não. É cerveja, gosto muito de cerveja. Mas tive que diminuir, porque eu descobri que só tinha um rim. E o rim é o que filtra, e tal.
Folha - Há uma onda, entre os artistas contemporâneos seus, de fazer um balanço de carreira. É o momento para isso?
Melodia -
Quando resolvi fazer "Relíquias", já tinha a idéia disso há algum tempo. E coincidiu com o que estava acontecendo. Mas a vontade foi minha. Mas, automaticamente, a gravadora, que é oportunista, aproveita para tirar partido disso.
Folha - Mas isso não é uma demonstração que a produção atual não é tão boa quanto aquela que está sendo tributada?
Melodia -
Eu vejo nos meus discos anteriores muitas gafes de produção. Se eu pudesse, eu regravaria todos eles. Sem dúvida.
Folha - Você tem alguns temas sociais no novo disco, "Pra Que" e também "Sub-Anormal". Isso é novo em sua carreira.
Melodia -
Nunca fui ligado nisso, mas decidi falar. Até pelo que está acontecendo. Todos estão vendo: desemprego, política falsa, bala perdida... Essa coisa acaba tendo um lugar só, a desgraça.
Folha - Nos anos 70, sob o regime militar, quando era um tempo talvez mais propício para discutir o social, você nunca falou disso. Por quê?
Melodia -
Eu nunca fui a favor do regime militar, mas era mais seguro. Pelo menos a coisa acontecia. Achava o regime filho da puta, mas você tinha mais segurança. Agora é roubalheira, falcatrua. Eu não vejo como as coisas poderão se acalmar.
Algum projeto para 98?
Melodia -
Cinema. Eu ganhei um convite para ser um amigo do Noel Rosa no filme que estão fazendo sobre ele. Sou o Papagaio. Fiquei felicíssimo, sou doido para atuar.
Folha - E o Papagaio é negro?
Melodia -
Naturalmente. Será que o cara é branco e vão colocar o Luiz Melodia como parceiro? Aí ficaria meio esquisito. Aliás, o clipe do "Vamo Cumê", que eu gravei com o Caetano (em 87, no disco "Caetano Veloso"), é a coisa mais ridícula que eu já vi na minha vida. Pintaram um branco de negro para fazer o Melodia. Eu não gostei, achei desagradável. Não sei se você sabe, Caetano, mas foi muito desagradável para mim.


O jornalista Paulo Vieira viajou ao Rio a convite da EMI


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.