São Paulo, terça, 29 de setembro de 1998

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DISCO - LANÇAMENTO
Extremos do rock se encontram no Japão

CORNELIUS

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Era uma vez, no Japão, o futuro. Chamava-se Cornelius e lançou, no ano de 1998, um disco chamado "Fantasma". Ele havia nascido em 1969 e era obcecado pelo futuro do passado de "2001", o(s) clássico(s) de Arthur Clarke (em livro) e Stanley Kubrick (em filme).
Mas ele havia visto muito desenho animado. E tomou muita Fanta. Por isso, escreveu "Fantasma" separado, "Fanta/sma", em cima de uma capa toda alaranjada. Embora cantasse quase sempre em japonês, transcreveu as letras das músicas no encarte em japonês, inglês e português, porque o mundo estava globalizado e aquelas eram línguas fundamentais ao pop (esqueceu o francês).
Sua intenção era mergulhar passado -Kubrick, National Kid, Beach Boys, Mr. Magoo, Jetsons- , presente -o pop star Beck- e futuro -"2001", Jetsons, pop eletrônico- num liquidificador só.
Bem, ele conseguiu. "Fantasma", terceiro disco (primeiro a chegar aos EUA, terceiro a não chegar ao Brasil) de Keigo Oymada, 29, sob o codinome Cornelius, é exemplar perfeito do que se poderia chamar pop pós-moderno -uma bagunça virtual de referências alucinadas.
Ele seria, assim, correlato oriental do norte-americano Beck, com uma diferença -é mais debochado, menos sério que o outro.
Exemplos de besteirol? A primeira faixa, "Mic Check", é o que o nome propõe: uma checagem de microfone e voz, puro escracho. O tecno-rock "Count Five or Six" limita-se a contar, em inglês: "Um, dois, três, quatro, cinco, seis". "Magoo Opening" é colagem bocó de vinhetas de desenho animado, nada que se possa levar a sério.
As referências ao Brasil (se é Japão, sempre há) vêm, claro, em forma de new bossa nova. Acontece em "Clash" (ambígua canção sobre... um copo) e em "Star Fruits Surf Rider" (também meio "Arquivo X"), por exemplo.
Mas, quase sempre pop ("The Micro Disneycat World Tour" poderia ser fundo musical de casamento), o que no fundo Cornelius quer mesmo é ser roqueiro.
Assim, "New Music Machine" -sobre uma máquina criada pela Nasa em 2001 que, em 2010, "já estava completamente fora de ordem"- é um rock de estrada decalcado de The Cure. "Chapter 8 - Seahouse and Horizon" é simulacro da psicodelia dos Beatles de "Sgt. Pepper" (67).
Mais escancarada é "God Only Knows". O nome é o mesmo de uma canção de "Pet Sounds" (66), o "Sgt. Pepper" dos Beach Boys -nitidamente a grande influência de Cornelius. A letra diz: "Em março de 97, eu era o único neste mundo que cantava "Just like Honey' ".
Pois bem, "Just like Honey" é o nome de um rock de 1986 do ultrabarulhento Jesus and The Mary Chain -outro grupo que não existiria sem os Beach Boys. No pop de Cornelius, os 60 dão as mãos aos 80 para fazer os 2000.
O problema? Cornelius não tem discurso, não sabe o que quer fazer com tanta referência. Faz pop divertido, diversificado, cheio de forma e de conteúdo perdidão no espaço. Se não mais, é documento fiel do presente perpétuo de 1998.
²
Disco: Fantasma Artista: Cornelius Lançamento: Matador (importado) Onde encomendar: London Calling (011/ 223-5300), Bizarre (011/220-7933)



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