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CRÍTICA
"Filme sonha com a harmonia social
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Todos conhecem as boas intenções por trás do filme "O Primeiro
Dia", dirigido por Daniela Thomas e Walter Salles.
Seus diretores já explicaram à
exaustão como foram inspirados
pelas conclusões do jornalista
Zuenir Ventura sobre o apartheid
social e do psicanalista Jurandir
Freire Costa sobre a incapacidade
de ver "o outro" na sociedade brasileira atual.
Encomendado pela rede fanco-alemã de TV Arte para compor a
série "2000 visto por...", "O Primeiro Dia" surge, já ao primeiro
olhar, como isso mesmo: um filme cheio de intenções, uma obra
que obedece a um projeto preciso.
Qual é esse projeto? O de mostrar a dramática cisão social brasileira e propor uma utopia para a
sua superação. Tudo no filme
-enredo, direção de arte, fotografia, dramaturgia- será convocado a dar substância a essa
proposta geral.
O enredo não podia ser mais
adequado. Há duas histórias paralelas que se cruzam no final.
De um lado, o bandido João
(Luiz Carlos Vasconcelos) tem
sua fuga da cadeia facilitada em
troca de um "serviço": matar seu
amigo Francisco (Matheus Nachtergaele), que andou dedurando
uns policiais corruptos.
De outro lado, a professora de
classe média Maria (Fernanda
Torres) vê-se às voltas com um
drama amoroso: seu marido Pedro (Carlos Vereza) abandonou-a
sem mais nem menos na véspera
do ano 2000.
O problema do filme não está,
como se poderia supor, no modo
"inverossímil" como é encenado
o encontro entre esses dois mundos. Esta é, na verdade, uma das
mais belas cenas do filme, uma
verdadeira epifania, no telhado de
um prédio de Copacabana entre
os fogos do Reveillon.
Desequilíbrio interno
O problema é anterior a essa
conciliação de classe. Está no desequilíbrio com que são apresentadas e desenvolvidas as duas linhas paralelas do entrecho.
A história de João -dentro e
fora do presídio- é rica em observação social, matizes dramáticos, personagens originais.
Mas o infortúnio de Maria não
recebe a mesma atenção e elaboração por parte dos realizadores.
Filmado segundo os clichês do
filme romântico/publicitário
-vide a sequência dos 20 telefonemas de amor e um banho desesperado-, o drama da moça é
visto quase como uma frescura
burguesa.
Em contraste, a trajetória de
João assume uma dimensão crescentemente trágica, que tem seu
clímax no confronto do herói/
bandido com o amigo a ser traído.
Encenada com precisão claustrofóbica, amparada em dois tremendos atores, é uma cena memorável.
Qualquer que seja a crítica que
se faça a "O Primeiro Dia", é impossível não reconhecer seus
grandes momentos de cinema,
muitos deles filmados com câmera na mão: a rebelião no presídio,
a caminhada de João pelas ruas
em festa, o confronto entre os
amigos, a correria pela favela.
Há, entre outros achados, uma
utilização primorosa da labiríntica topografia carioca e um uso
inspirado da música.
Uma leitura sociológica do filme -tarefa que cabe a Marcelo
Coelho, Fernando Barros e Silva
ou Gilberto Vasconcelos- terá
muito pano para manga.
A começar do fato de que, assim
como em "Central do Brasil",
também aqui a dimensão da contradição social parece ter sido
substituída pela da "diferença".
A política foi desalojada pela ética dos relacionamentos, que elude a discussão sobre o poder. Não
são mais as estruturas que precisam ser transformadas, mas "a
cabeça das pessoas".
Não por acaso, como em "Central", os personagens têm nomes
bíblicos. É uma visão claramente
cristã do mundo que anima "O
Primeiro Dia".
Avaliação:
Filme: O Primeiro Dia
Diretores: Daniela Thomas e Walter
Salles
Produção: Brasil, 1999
Com: Luiz Carlos Vasconcelos, Fernanda
Torres, Matheus Nachtergaele
Quando: a partir de hoje, no Unibanco 1,
Iguatemi 1, Internacional Guarulhos 15,
SP Market 7 e West Plaza 4
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