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"COMO FAZER UM FILME DE AMOR"
José Roberto Torero usa metalinguagem para satirizar estruturas do gênero
Filme desmonta clichê da comédia romântica
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
Essa é uma reportagem sobre
um longa-metragem chamado
"Como Fazer um Filme de Amor". O repórter que a escreveu
assistiu à produção, entrevistou o
diretor e a atriz principal -momento em que fez algumas perguntas impertinentes-, ligou o
computador e escreveu o artigo,
não sem antes usar meia dúzia de
frases de efeito. No final, todo
mundo leu e adorou a matéria, e
assim o jornalista e os leitores viveram felizes para sempre.
Delírios metalinguísticos à parte, esse início de texto poderia
muito bem ter sido redigido por
José Roberto Torero, caso estivesse escrevendo sobre seu filme
"Como Fazer um Filme de
Amor", que estréia hoje.
Nesta comédia romântica estrelada por Denise Fraga, Torero
tenta desmontar a estrutura do
gênero, enumerando os inúmeros
clichês que o sustentam. Quem
faz as "denúncias" toda vez que
eles aparecem é o Narrador (Paulo José), onisciente, que dialoga
com o espectador e com os personagens do filme.
"A idéia é armar o espectador,
fazer com que ele não apenas assista ao longa e veja uma historinha, mas que veja também de
uma forma mais crítica", explica
Torero em entrevista à Folha.
A trama do filme não é nenhuma surpresa para quem já leu ou
ouviu falar de romances baratos
de bancas, no estilo "Bianca" e
"Sabrina", ou então que já tenha
visto qualquer comédia romântica estrelada por Meg Ryan.
Torero segue um roteiro de clichês, e avisa
isso ao público. Conta a história
de amor entre uma pobre fotógrafa de casamentos, Laura (Denise
Fraga), e um rico publicitário,
Alan (Cassio Gabus Mendes).
Após um primeiro encontro em
que irão se detestar, o imprevisto
fará com que eles trabalhem juntos. Mais tarde, irão se apaixonar.
Mas o final feliz não será fácil, já
que dois vilões (Marisa Orth e André Abujamra) farão de tudo para
separá-los. Nada muito original.
"Fiz o roteiro com mais três
amigos, e tivemos a idéia após lermos esses romances baratos. É
uma estrutura que nasceu no século 19, com a literatura romântica", diz Torero. "Mais tarde, a fórmula deve ter se aprimorado e
cristalizado nesses livros, passando depois para as comédias românticas de Hollywood."
No entanto, ao mesmo tempo
em que critica o gênero, "Como
Fazer um Filme de Amor" pode
ser visto como apenas mais uma
comédia romântica. Não há certa
ambigüidade nessa semelhança?
"Tive a intenção de fazer o espectador sair feliz do cinema também, e não apenas questionar. Tenho um pé em cada lado mesmo.
Se o cara for despreparado, nem
vai reparar que há uma intenção
crítica, vai achar tudo lindo."
Torero cita o escritor italiano
Umberto Eco para explicar o que
há por trás de seu jogo duplo:
"Existe o leitor primário, que vai
ver apenas a superfície. Mas há o
leitor secundário, que, além da
historinha, vai ver como o autor
fez essa historinha. Esse cara vai
fazer uma leitura melhor, vai se
divertir muito mais. Minha idéia é
mostrar para o espectador que tudo não passa de um golpe, que ele
está sendo manipulado etc.".
Ao participar do filme, Denise
Fraga também se vê em um terreno povoado por ambigüidade, já
que o gênero não é estranho para
ela. "Não é porque estamos criticando que deixamos de torcer pela mocinha. Esses filmes com clichês são como travesseiro velho,
você está acostumado e gosta dele", explica a atriz. "Mas é claro
que nunca vou perdoar o Torero...Agora, toda vez que eu assistir
a uma comédia romântica, vou ficar enumerando os clichês."
Torero também relativiza o caráter nefasto dos clichês. "Se eles
fazem sucesso, alguma coisa boa
devem ter: ou é uma peça-chave
na estrutura dramática ou há algo
que satisfaça o inconsciente coletivo. Não sou contra, apenas
quando eles facilitam demais a
história, quando você repara que
o autor pôs no piloto automático". E, claro, "Como Fazer um Filme de Amor" tem um final feliz,
mas isso não é nenhum segredo.
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