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32ª AMOSTRA DE SP
Crítica/"A Floresta dos Lamentos"
Cinema vertiginoso de diretora japonesa evoca ritual pagão
Naomi Kawase aborda história de idoso retirado em casa de repouso em região rural
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Uma dívida histórica
com o público paulistano foi reparada nesta
Mostra com a seleção de "A
Floresta dos Lamentos", da diretora japonesa Naomi Kawase. Depois de festejada pelo público do Festival do Rio no ano
passado, a exibição em SP do
vencedor do Grande Prêmio do
Festival de Cannes em 2007 é
rara chance de experimentar o
vertiginoso cinema de Kawase.
Como indica o "mogari" do
título original ("Mogari no Mori"), "Floresta dos Lamentos" é
sobre viver uma perda e, de algum modo, aprender a absorvê-la. Em japonês, "mogari" designa tanto "um período de luto" como "o lugar do luto".
A experiência é representada
na figura de Shigeki, um idoso
um tanto tantã, retirado numa
casa de repouso em região rural, e Machiko, uma jovem que
trabalha na instituição.
Entre os dois, paira o fantasma de Mako, mulher de Shigeki
morta há 33 anos. A precisão do
número se justifica por um diálogo que nos revela que, ao se
completarem os 33 anos da
morte, a pessoa torna-se buda e
deixa de perambular pelo reino
dos vivos.
Os ciclos da existência, as recorrências de velhice e juventude e, sobretudo, a morte cujo
efeito de ruptura organiza o
sentido da vida são os temas
mais recorrentes da obra de
Kawase, distribuída desde 1998
em muitos documentários e
poucas ficções.
Ao longo de sua filmografia, a
ênfase na subjetividade marca
os documentários, muitos com
base em vivências pessoais ou
de familiares. Já nas ficções,
Kawase introduz uma variação
doce de perspectiva, levando a
narrativa a transitar do objetivo ao subjetivo por meio de
uma mobilidade baseada num
uso personalíssimo que a diretora faz da câmera na mão.
Fluidez
Esqueça o efeito-histeria do
procedimento em nossos "filmes de favela" ou a dureza realista dos filmes dos irmãos Dardenne e, em seguida, convertida em clichê contemporâneo.
Fluidez é conceito mais adequado para descrever o cinema
de Kawase e é isso que ela nos
oferece no ápice de "A Floresta
dos Lamentos".
Quando Shigeki e Machiko se
perdem no interior da floresta,
o filme nos permite abandonar
o lugar passivo de espectadores
e adentrar num espaço onde
ser visível coincide com ser vivo, o que vale para tudo o que se
encontra presente na imagem
-atores, água, lama, flores, árvores e música.
Trata-se de um instante sublime, em que nos libertamos
do realismo para embarcarmos
num ritual pagão, no qual Kawase celebra a eternidade do
animismo.
A FLORESTA DOS LAMENTOS
Quando: hoje, 15h10, no Reserva Cultural; amanhã, 15h50, no Cinesesc
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: ótimo
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