São Paulo, Segunda-feira, 29 de Novembro de 1999


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A vacina sem revolta

Reprodução
Rodolfo Teófilo vacina população do Morro do Moinho, no subúrbio de Fortaleza, em foto datada de 1907



Fortaleza foi vacinada contra a varíola sem uso da força, enquanto no Rio ocorria a Revolta da Vacina


HAROLDO CERAVOLO SEREZA
da Reportagem Local


Aconteceu no Ceará. A dedicação obstinada de um farmacêutico aliada à má vontade do governo do Estado levou Fortaleza a conhecer um processo de vacinação "democrático", no mesmo tempo em que os métodos utilizados no Rio de Janeiro, então capital federal, levaram à Revolta da Vacina.
A história desse farmacêutico, Rodolfo Marcos Teófilo, nascido em Salvador (Bahia), mas que se dizia cearense, virou livro. A biografia "O Poder e a Peste", do jornalista Lira Neto, 36, coordenador da Fundação Demócrito Rocha e ex-ombudsman do jornal "O Povo", editada no Ceará, é agora distribuída nacionalmente.
"Teófilo e Oswaldo Cruz têm trajetórias semelhantes", acredita o autor. "Mas, enquanto Cruz baseou sua campanha de vacinação contra a febre amarela no poder estatal, a cruzada de Teófilo contra a varíola atraiu o ódio da oligarquia cearense." Cruz virou herói nacional. Teófilo foi esquecido, lamenta-se Lira Neto.
Em 10 de dezembro de 1904, a população do Rio se levantou na Revolta da Vacina, contra a ação dos militares, que usavam a força para obrigar a população que, temerosa, resistia a ser vacinada.
No final do século passado, Teófilo (1853-1932), filho de médico, viveu as desgraças e as glórias do Ceará. Mas foram as epidemias de cólera que marcaram a história pessoal do farmacêutico.
Em 1900, quando a seca gerou uma nova onda de migrantes à capital do Estado e, com ela, a volta da varíola, Teófilo, que estava em Salvador a passeio, decidiu interromper as férias: comprou dois bezerros, a parafernália para a produção da vacina e partiu para Fortaleza. Depois dos contratempos iniciais, começou sua cruzada. Publicou que vacinaria gratuitamente. Em quatro meses, imunizou mais de 1.200 pessoas. Porém não se deu por satisfeito: o povo não o procurava.
Teófilo montou num cavalo e levou a vacina à população da periferia de Fortaleza. Como não tinha policiais para ajudá-lo, tinha de convencer a população.
Criou a figura de são Jenner (Edward Jenner, em 1796, descobriu a vacina contra a varíola, ao perceber que os camponeses que ordenhavam vacas doentes com a versão bovina da doença não contraíam o mal).
São Jenner vivia próximo a um lugar onde os homens estavam apodrecendo vivos, um lugar em que todo dia era Dia de Mil Mortos (referência à epidemia de 1878, em que morreram mil pessoas num único dia em Fortaleza, devido à varíola). Um anjo teria indicado a Jenner um bezerro que tinha a doença que aliviaria o sofrimento dos homens.
Teófilo conseguia convencer os pobres, ora com são Jenner, ora com dinheiro que tirava das próprias rendas, ora com explicações. Formou a Liga Cearense Contra a Varíola, mandava ampolas para o interior do Ceará gratuitamente e as vendia para outros Estados. Mas queria que a vacinação fosse obrigatória.
Começou a incomodar. Em 1905, a oligarquia local, representada pelo presidente do Estado Antônio Pinto Nogueira Accioly, iniciou a retaliação. O jornal governista publicava notícias que ligavam a vacinação de Teófilo à morte de crianças, o farmacêutico foi destituído do posto de professor do Liceu, espalhou-se que a bebida cajuína, que vendia, era de má qualidade e reduziram-se as compras de sua farmácia.
Teófilo conseguiu a aprovação da sua vacina pelo Instituto de Manguinhos, no Rio, em 1907. Provou sua capacidade, acabou com a varíola, mas a oligarquia cearense só seria abalada em 1912, com a queda de Nogueira Accioly.
"É provável que, se tivesse o apoio do governo, Teófilo agisse como Oswaldo Cruz, se apoiasse na força policial. Mas não foi assim", diz Lira Neto. Teófilo teve de encontrar um caminho próprio e, mesmo a contragosto, foi obrigado a respeitar os vacinados.


Livro: O Poder e a Peste - A Vida de Rodolfo Teófilo
Autor: Lira Neto
Lançamento: Fundação Demócrito Rocha (tel. 0/xx/85/255-6037)
Quanto: R$ 28 (226 págs.)


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