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A vacina sem revolta
Reprodução
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Rodolfo Teófilo vacina população do Morro do Moinho, no subúrbio de Fortaleza, em foto datada de 1907 |
Fortaleza foi vacinada contra a varíola sem uso da força, enquanto no Rio ocorria a Revolta da Vacina
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HAROLDO CERAVOLO SEREZA
da Reportagem Local
Aconteceu no Ceará. A dedicação obstinada de um farmacêutico aliada à má vontade do governo do Estado levou Fortaleza a conhecer um processo de vacinação
"democrático", no mesmo tempo
em que os métodos utilizados no
Rio de Janeiro, então capital federal, levaram à Revolta da Vacina.
A história desse farmacêutico,
Rodolfo Marcos Teófilo, nascido
em Salvador (Bahia), mas que se
dizia cearense, virou livro. A biografia "O Poder e a Peste", do jornalista Lira Neto, 36, coordenador
da Fundação Demócrito Rocha e
ex-ombudsman do jornal "O Povo", editada no Ceará, é agora distribuída nacionalmente.
"Teófilo e Oswaldo Cruz têm
trajetórias semelhantes", acredita
o autor. "Mas, enquanto Cruz baseou sua campanha de vacinação
contra a febre amarela no poder
estatal, a cruzada de Teófilo contra a varíola atraiu o ódio da oligarquia cearense." Cruz virou herói nacional. Teófilo foi esquecido, lamenta-se Lira Neto.
Em 10 de dezembro de 1904, a
população do Rio se levantou na
Revolta da Vacina, contra a ação
dos militares, que usavam a força
para obrigar a população que, temerosa, resistia a ser vacinada.
No final do século passado, Teófilo (1853-1932), filho de médico,
viveu as desgraças e as glórias do
Ceará. Mas foram as epidemias de
cólera que marcaram a história
pessoal do farmacêutico.
Em 1900, quando a seca gerou
uma nova onda de migrantes à
capital do Estado e, com ela, a volta da varíola, Teófilo, que estava
em Salvador a passeio, decidiu interromper as férias: comprou dois
bezerros, a parafernália para a
produção da vacina e partiu para
Fortaleza. Depois dos contratempos iniciais, começou sua cruzada. Publicou que vacinaria gratuitamente. Em quatro meses, imunizou mais de 1.200 pessoas. Porém não se deu por satisfeito: o
povo não o procurava.
Teófilo montou num cavalo e
levou a vacina à população da periferia de Fortaleza. Como não tinha policiais para ajudá-lo, tinha
de convencer a população.
Criou a figura de são Jenner
(Edward Jenner, em 1796, descobriu a vacina contra a varíola, ao
perceber que os camponeses que
ordenhavam vacas doentes com a
versão bovina da doença não contraíam o mal).
São Jenner vivia próximo a um
lugar onde os homens estavam
apodrecendo vivos, um lugar em
que todo dia era Dia de Mil Mortos (referência à epidemia de
1878, em que morreram mil pessoas num único dia em Fortaleza,
devido à varíola). Um anjo teria
indicado a Jenner um bezerro que
tinha a doença que aliviaria o sofrimento dos homens.
Teófilo conseguia convencer os
pobres, ora com são Jenner, ora
com dinheiro que tirava das próprias rendas, ora com explicações. Formou a Liga Cearense
Contra a Varíola, mandava ampolas para o interior do Ceará gratuitamente e as vendia para outros Estados. Mas queria que a vacinação fosse obrigatória.
Começou a incomodar. Em
1905, a oligarquia local, representada pelo presidente do Estado
Antônio Pinto Nogueira Accioly,
iniciou a retaliação. O jornal governista publicava notícias que ligavam a vacinação de Teófilo à
morte de crianças, o farmacêutico
foi destituído do posto de professor do Liceu, espalhou-se que a
bebida cajuína, que vendia, era de
má qualidade e reduziram-se as
compras de sua farmácia.
Teófilo conseguiu a aprovação
da sua vacina pelo Instituto de
Manguinhos, no Rio, em 1907.
Provou sua capacidade, acabou
com a varíola, mas a oligarquia
cearense só seria abalada em 1912,
com a queda de Nogueira Accioly.
"É provável que, se
tivesse o apoio do
governo, Teófilo
agisse como Oswaldo Cruz, se apoiasse
na força policial. Mas
não foi assim", diz
Lira Neto. Teófilo
teve de encontrar
um caminho próprio e, mesmo a contragosto, foi obrigado a respeitar
os vacinados.
Livro: O Poder e a Peste - A Vida de
Rodolfo Teófilo
Autor: Lira Neto
Lançamento: Fundação Demócrito
Rocha (tel. 0/xx/85/255-6037)
Quanto: R$ 28 (226 págs.)
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