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DISCOS/LANÇAMENTOS
"ARQUIVOS WARNER"
Em 30 CDs, recuperam-se trabalhos "secretos" da MPB
Charles Gavin lança sua mais ousada coleção de raridades
DA REPORTAGEM LOCAL
O baterista dos Titãs,
Charles Gavin, chega a seu
momento de maior ousadia como
pesquisador musical e "relançador" de raridades. A série "Arquivos Warner" ganha mais 30 títulos, agora se debruçando majoritariamente sobre o esquecido
acervo da gravadora Continental.
Inicialmente uma empresa de
capital nacional e mais tarde adquirida pela Warner, a Continental teve nos últimos anos seu baú
deixado à míngua, a não ser por
algumas séries de coletâneas de
astros da MPB antiga e um ou outro relançamento de Novos Baianos, Secos & Molhados, Walter
Franco e Maria Alcina (sim, todos
eles estrearam por aquele selo).
O que Gavin começa a recuperar agora é o legado menos conhecido e mais surpreendente da
Continental. Para citar dois exemplos (leia lista completa à direita),
estão ali duas raras cantoras da
confluência bossa nova/canção de
protesto, Neyde Fraga e Tânia
Maria. A segunda, em especial, é
algo que o Brasil já nem sabe que
possuiu um dia: uma intérprete
negra de samba-jazz. Incompreendida aqui, ela foi seguir extensa carreira no exterior.
Outra relíquia é um disco de
Aracy de Almeida, concebido supostamente em 1955, ainda na era
de transição entre os discos de 78
rotações e o LP. Não bastassem a
voz e os sons contidos em "Noel
Rosa", a capa do disquinho, prosaica, é de Di Cavalcanti.
Também pela Continental o
bossa-novista Carlos Lyra viveu
episódios duros com a censura
militar. "Herói do Medo" nasceu
em 73, disposto a afrontar de peito aberto o regime vigente. Imediatamente censurado, conseguiu
penetrar numa brecha de vigilância da Censura dois anos mais tarde, quando Lyra já estava fora do
Brasil. Foi lançado para o nada.
Parente dele é o magnífico
"Bóias de Luz", primeira reedição
digna da grandeza de Marília Medalha. Pós-festivais e pós-protesto, ela tentava voltar em 78, sob a
égide dos arranjos virtuosos de
Dori Caymmi. Nada aconteceu.
Sob a hoste do samba, os novos
"Arquivos Warner" guardam várias re-revelações. Há clássicos do
gênero como Jamelão e Germano
Mathias, mas há também o resgate de Vassourinha (1923-42), que
deu corpo ao samba de São Paulo
e morreu cedo demais. Gavin
reencontra raríssima coletânea de
1976, que reúne gravações de Vassourinha entre 1941 e 1942.
Chama atenção também o samba moderno lapidado por Miriam
Batucada em "Amanhã Ninguém
Sabe". Revelada por Raul Seixas,
ela chegava, em 74, a um formato
próprio que a conectava a uma
tradição de samba vocal matreiro
iniciada por Ademilde Fonseca,
arranhada por Elza Soares e prestes a ser entregue a Baby Consuelo. Miriam virou elo perdido.
Também sob o rótulo de samba
se poderia guardar o álbum "Desbunde Total", do precursor da
bossa Johnny Alf. Num trabalho
que fugia dos cânones bossa-novistas e até dos preceitos formulados pelo próprio Johnny Alf, ele
lançava em 78 uma estranha
obra-prima, comercialmente destinada a lugar nenhum.
A série da Warner oferece sustos por vários outros territórios.
Abrange a sensacional estréia
samba-rock de Luís Vagner em
"Simples" (74). Passeia pelo rock
bicho-grilo dos 70, de Almôndegas (um belo primeiro disco, que
Kleiton e Kledir não honrariam
depois) e Moto Perpétuo (a estréia de Guilherme Arantes).
Mergulha com amor no samba-jazz (de Erlon Chaves e do Conjunto Som 4, com Hermeto Pascoal). Brinca na simpática jovem
guarda instrumental de (quem?)
The Jones. Refaz justiça ao ultrapolitizado rock anos 80 do 365. E
brinda, até, a música caipira de
Cascatinha e Inhana. Quase não
dá para acreditar.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Arquivos Warner
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 19 (preço sugerido pela
gravadora), cada CD (30 títulos)
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