São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 2002

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DISCOS/LANÇAMENTOS

"ARQUIVOS WARNER"

Em 30 CDs, recuperam-se trabalhos "secretos" da MPB

Charles Gavin lança sua mais ousada coleção de raridades

DA REPORTAGEM LOCAL

O baterista dos Titãs, Charles Gavin, chega a seu momento de maior ousadia como pesquisador musical e "relançador" de raridades. A série "Arquivos Warner" ganha mais 30 títulos, agora se debruçando majoritariamente sobre o esquecido acervo da gravadora Continental.
Inicialmente uma empresa de capital nacional e mais tarde adquirida pela Warner, a Continental teve nos últimos anos seu baú deixado à míngua, a não ser por algumas séries de coletâneas de astros da MPB antiga e um ou outro relançamento de Novos Baianos, Secos & Molhados, Walter Franco e Maria Alcina (sim, todos eles estrearam por aquele selo).
O que Gavin começa a recuperar agora é o legado menos conhecido e mais surpreendente da Continental. Para citar dois exemplos (leia lista completa à direita), estão ali duas raras cantoras da confluência bossa nova/canção de protesto, Neyde Fraga e Tânia Maria. A segunda, em especial, é algo que o Brasil já nem sabe que possuiu um dia: uma intérprete negra de samba-jazz. Incompreendida aqui, ela foi seguir extensa carreira no exterior.
Outra relíquia é um disco de Aracy de Almeida, concebido supostamente em 1955, ainda na era de transição entre os discos de 78 rotações e o LP. Não bastassem a voz e os sons contidos em "Noel Rosa", a capa do disquinho, prosaica, é de Di Cavalcanti.
Também pela Continental o bossa-novista Carlos Lyra viveu episódios duros com a censura militar. "Herói do Medo" nasceu em 73, disposto a afrontar de peito aberto o regime vigente. Imediatamente censurado, conseguiu penetrar numa brecha de vigilância da Censura dois anos mais tarde, quando Lyra já estava fora do Brasil. Foi lançado para o nada.
Parente dele é o magnífico "Bóias de Luz", primeira reedição digna da grandeza de Marília Medalha. Pós-festivais e pós-protesto, ela tentava voltar em 78, sob a égide dos arranjos virtuosos de Dori Caymmi. Nada aconteceu.
Sob a hoste do samba, os novos "Arquivos Warner" guardam várias re-revelações. Há clássicos do gênero como Jamelão e Germano Mathias, mas há também o resgate de Vassourinha (1923-42), que deu corpo ao samba de São Paulo e morreu cedo demais. Gavin reencontra raríssima coletânea de 1976, que reúne gravações de Vassourinha entre 1941 e 1942.
Chama atenção também o samba moderno lapidado por Miriam Batucada em "Amanhã Ninguém Sabe". Revelada por Raul Seixas, ela chegava, em 74, a um formato próprio que a conectava a uma tradição de samba vocal matreiro iniciada por Ademilde Fonseca, arranhada por Elza Soares e prestes a ser entregue a Baby Consuelo. Miriam virou elo perdido.
Também sob o rótulo de samba se poderia guardar o álbum "Desbunde Total", do precursor da bossa Johnny Alf. Num trabalho que fugia dos cânones bossa-novistas e até dos preceitos formulados pelo próprio Johnny Alf, ele lançava em 78 uma estranha obra-prima, comercialmente destinada a lugar nenhum.
A série da Warner oferece sustos por vários outros territórios. Abrange a sensacional estréia samba-rock de Luís Vagner em "Simples" (74). Passeia pelo rock bicho-grilo dos 70, de Almôndegas (um belo primeiro disco, que Kleiton e Kledir não honrariam depois) e Moto Perpétuo (a estréia de Guilherme Arantes).
Mergulha com amor no samba-jazz (de Erlon Chaves e do Conjunto Som 4, com Hermeto Pascoal). Brinca na simpática jovem guarda instrumental de (quem?) The Jones. Refaz justiça ao ultrapolitizado rock anos 80 do 365. E brinda, até, a música caipira de Cascatinha e Inhana. Quase não dá para acreditar.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Arquivos Warner



    
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 19 (preço sugerido pela gravadora), cada CD (30 títulos)



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