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LIVRO/LANÇAMENTO
Escritor espanhol, com obras lançadas em 44 países, lança "Seu Rosto Amanhã" e comenta sua obra
Marías imagina passado para criar presente
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há dez anos cravados, o espanhol Javier Marías publicou um
ensaio batizado "Sete Razões para
Não Escrever Romances e Apenas
Uma para Escrevê-los".
Razões para não escrever são
bem mais do que sete, mas motivos para talhar ficção pode-se
concordar que não existam muitos além do quase óbvio "permite
viver no reino do que podia ser e
nunca foi", usado por ele no texto.
Javier Marías não é um escritor
em busca do tempo perdido. Talvez seja dos tempos achados. Em
seu mais recente romance, "Seu
Rosto Amanhã", que a Companhia das Letras está publicando
no Brasil, ele chega ao "reino do
que poderia ter sido" por meio de
um original futuro do pretérito.
A equação é complexa, como
complexos são os livros desse romancista e ensaísta de 52 anos. Ele
mesmo dá uma força, em entrevista por telefone à Folha.
Existe algo que o leitor não vê
por trás do romance. Ao fim da
Guerra Civil Espanhola, nos anos
30, o pai do escritor, o célebre filósofo madrileno Julian Marías, 89,
foi delatado para a polícia franquista. "E por aquele que tinha sido seu melhor amigo."
A historieta, parodiada no livro,
o levou a pensar nas coisas que o
outro, esse desconhecido, é capaz
de se transformar. Sem perder o
fio: imaginou no episódio, no passado, os futuros possíveis.
Voilá. Essa chave, que ele reconhece estar embutida no seu
"uma razão para escrever um romance", abre a porta de "Seu Rosto Amanhã". Nele, o escritor de
Madri -e do mundo, com livros
lançados, e premiados, em 44 países- conta uma história no presente, mas com raízes plantadas
no passado.
Seu narrador, na Inglaterra de
hoje, descobre com um professor
aposentado -moldado à imagem e semelhança do veterano
historiador Peter Russell, 90, seu
amigo- um curioso grupo ligado ao serviço secreto britânico.
Eram espiões que combateram
o nazismo tentando se precaver
contra eventuais traidores, detetives que sabiam olhar no rosto de
cada um seus amanhãs.
Parênteses sejam feitos, o ambiente histórico no qual Marías
ancora esse "reino do que poderia
ser" dá grande consistência à sua
trama. Houve um tempo em que
havia tantas delações que o governo britânico espalhou cartazes
por toda a ilha com a inscrição
"Careless Talk Costs Lives" (algo
como "ser cuidadoso nas conversas salva vidas").
Marías é cuidadoso. No que escreve, sobretudo, e também na
sua conversa. Isso não impede
que ele faça à Folha uma generosa
leitura dessa obra em relação às
anteriores (quatro delas lançadas
aqui pela editora Martins Fontes).
"Em "O Homem Sentimental", o
narrador era um cantor de ópera
que renuncia à sua própria voz e
interpreta o que outros escreveram ou compuseram", diz. "Em
"Todas as Almas", é um professor
universitário que também renuncia à sua voz e transmite um saber
que não é seu", prossegue.
Ele continua o "tour" com "Coração Tão Branco", cujo protagonista é um intérprete das Nações
Unidas. E termina com o ótimo
"Amanhã na Batalha Pensa em
Mim", cujo narrador é um "ghost
writer". "Mais uma vez alguém
dando sua voz a serviço de outro."
O presente romance, segundo ele,
trata de um intérprete de histórias. "Jaime Derza [o protagonista
do livro] é um tradutor de vidas.
Ele busca saber como serão os
rostos das pessoas amanhã. Sabemos os rostos de alguns hoje, mas
nunca saberemos do que serão
capazes no futuro."
O próprio Marías não tem o
mesmo dom, que o seu personagem descobre compartilhar com
os espiões antinazistas, mas já
olha na obra de agora o seu amanhã. "Seu Rosto..." terá uma continuação, da qual ele já fez "uns
25%". Os dois livros formarão o
"díptico" "Febre e Lança".
"Na verdade é o mesmo livro, só
o dividi em duas partes porque
não gosto de livros grossos." "De
lombada larga, só leio Dickens",
diz com risadas o ex-professor da
Oxford University.
SEU ROSTO AMANHÃ. Autor: Javier
Marías. Editora: Companhia das Letras. Tradutor: Eduardo Brandão. Quanto: R$
45 (408 págs.).
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