São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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MÚSICA

Compositor solta a voz no CD "Vida Noturna", produzido por Moacyr Luz; boleros e sambas-canções compõem repertório

Aldir Blanc entoa os sons da madrugada

Alexandre Campbell/Folha Imagem
Aldir Blanc em seu apartamento no Rio, com sua mulher, Mari de Sá Freire, e seu cachorro, Batuque


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Aldir Blanc sai pouco do Rio, da Tijuca (zona norte), do apartamento da rua Garibaldi e até do escritório entulhado de livros e discos que é sua caverna de bruxo. O que a maioria das pessoas conhece dele, portanto, são letras como as de "O Bêbado e A Equilibrista" e "Kid Cavaquinho".
Mas quem ouvir "Vida Noturna", CD que chega às lojas nesta semana, poderá vislumbrar um outro Blanc: aquele que desafia sua fama de eremita e, ao lado de amigos antigos e súbitos, canta em bares ou na própria caverna.
O disco não é apenas o primeiro em que Blanc, 59, interpreta todas as faixas -em "Aldir Blanc e Maurício Tapajós" (1984) e "Aldir Blanc 50 Anos" (1996), ele cantava parte delas. Em tempos tão comerciais, nos quais se mercadeja qualquer idéia de felicidade, é um registro raro das sombras de um artista e da vida, por isso noturna.
"É um disco para se ouvir no térreo", diz Mari de Sá Freire, mulher de Aldir, prevenindo potenciais suicidas e resumindo o clima do CD, composto de boleros e sambas-canções, embalados apenas por violão e piano.
"Há muito tempo eu queria fazer esse disco, com as músicas da madrugada, como eu e Aldir chamamos", conta o amigo, vizinho e parceiro Moacyr Luz, produtor do CD e principal responsável por convencer o arredio Blanc a enfrentar três dias de estúdio.
Na maioria inéditas, são músicas de várias épocas, dos anos 70 até a mais recente, "Recreio das Meninas 2", parceria com Luz escrita depois da primeira ida do letrista -"de bengala, tossindo, com febre"- ao Samba do Trabalhador, realizado às segundas-feiras no clube Renascença.
"Essa letra é a cara do Aldir, pela falta de medo de se expor", diz Luz, referindo-se à fragilidade desbragada de Blanc. "Aos que me gozam no bar/ Dizendo que eu sou/ O recreio da meninas/ Respondo: andorinhas fazem ninho nas ruínas", diz a canção.
A "cara do Aldir" está espalhada pelas 12 faixas, embora não se possa garantir que o retrato esteja completo. "Tem bastante do que é o Aldir no disco, mas nunca é o suficiente. Para se fazer um retrato dele, precisaria de coisas demais", brinca João Bosco.
Ele participa com a voz e o violão das novas versões de "Vida Noturna" e "Me dá a Penúltima", parcerias dos anos 70 que são ótimos exemplos do fragmento boêmio que forma o mosaico Blanc.
Igualmente, outros fragmentos estão mais explícitos nas letras das músicas do CD do que estariam em eventuais frases ditas por Blanc para este texto.

Eremita boêmio
"Ele é o que escreve", define outro parceiro, Guinga. "Aldir gosta de se isolar, mas não é solitário. Ele tem horror à solidão e quer ter sempre por perto os amigos, os netos. E é um eremita que às vezes foge de casa", explica.
O Blanc caseiro está no CD: em "Constelação Maior", sua primeira parceria com Hélio Delmiro, ele parece cantar um triângulo amoroso bem resolvido, mas o "outro", no caso, é seu labrador, Batuque. "Ele é bonito e a minha garota o recebe em seu leito/ Eu mesmo às vezes abro mão do orgulho e com ele me deito", relata.
Aquele que, pelo contrário, dissolve o lar -ou nem chega a construí-lo- em doses freqüentes de álcool e incompreensão está em "Dois Bombons e uma Rosa" (só de Blanc), "Flores de Lapela" (com Maurício Tapajós) e "Dry" (com Luz). "Hoje somente se bebo/ O dia seguinte pode me afetar/ É que a secura me lembra/ Teu jeito de amar", canta, usando a voz feminina, em "Dry".
O nostálgico, que já verbalizou a saudade dos avós, da Vila Isabel da infância e dos anos 50 em letras com quaradores e caramanchões, está sutilmente em "Paquetá, Dezembro de 56" e fortemente em "Velhas Ruas" (ambas só dele), homenagem à mãe, Helena. "Quando a cortina estremece/ Vê-se a mulher que não esqueço/ Correndo as contas de um terço/ Por alguém que não lhe merece", lamenta.
Há o que conversa com a música em "Cordas" (com Guinga), com o tempo no sucesso "Resposta ao Tempo" (com Cristóvão Bastos) e um fundamental em "Lupicínica" (com Jayme Vignoli): o que transforma a vida anônima, suburbana, em mítica.
Ao contar a história de "uma enfermeira com a chama vital de Anna Karenina", ele ensina: "Heroínas sem par/ Podem brotar na Rússia ou lá em Água Santa [subúrbio carioca]".
"Não sei se o Aldir levou o samba para a literatura ou a literatura para o samba", diz Bosco. No escritório-caverna do ex-psiquiatra, um cavaquinho repousa à vontade entre milhares de livros.

Vida Noturna
Artista: Aldir Blanc
Lançamento: Lua Music
Quanto: R$ 26, em média


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