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Análise
Atuação como produtor é pouco valorizada
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Talvez o aspecto mais importante e menos conhecido da
passagem de Jece Valadão pelo
cinema brasileiro seja o de produtor. Ele não escondia a satisfação por ter produzido "Os Cafajestes" e, sobretudo, por ter
intuído que Ruy Guerra seria o
diretor talhado para o filme.
Dizia a quem quisesse ouvir
que temia trabalhar com ele
num esquema de tempo e dinheiro muito apertados, mas
Guerra soube se adaptar perfeitamente às limitações da produção deste que se tornaria um
dos grandes clássicos dos anos
60 e do cinema brasileiro.
Ator e assistente de direção
de "Rio 40 Graus", estréia de
Nelson Pereira dos Santos, Jece dizia ter enfrentado ali as
condições mais adversas de sua
carreira. A produção era tão pobre que os principais envolvidos (ele, Nelson, o fotógrafo
Helio Silva) viviam em república numa casinha e, para comer,
pediam fiado numa mercearia
das redondezas. Jece, o galã,
era escalado para flertar com a
filha do dono da mercearia e
conseguir estender os prazos.
Pode haver um tanto de fantasia em histórias como essa
-mas a produção de filmes
brasileiros não ficava longe
desse padrão naqueles anos. O
êxito de "Os Cafajestes" o levou
a "Bonitinha, Mas Ordinária"
(1963), baseado em Nelson Rodrigues e fadado ao escândalo
tanto quanto "Os Cafajestes".
Voltando a trabalhar com Nelson Pereira, foi co-produtor de
"Boca de Ouro" (1963).
Como produtor, Jece trabalhou numa estrita linha comercial, voltada ao público popular
-o que implica intuição na hora de escolher assuntos ("Mineirinho, Vivo ou Morto", de
1967, ou "Jerry, a Grande Parada", com o cantor Jerry Adriani, no ano seguinte).
Jece explorava à saciedade a
fama de homem mau como
ator. "Navalha na Carne"
(1969), adaptação do texto de
Plínio Marcos, de Braz Chediak, ilustra bem esse capítulo.
Os anos 70, que começam
com a adaptação de "Memórias
de um Gigolô", com direção de
Alberto Pieralise, são um período fértil em realizações de baixo custo e visão oportunística,
que culminam na associação
com Antônio Calmon no estranho e altamente eficaz "Eu Matei Lúcio Flávio" (1979). Ali,
usava-se o procedimento tradicional dos filmes "B" americanos: partindo do filme de sucesso feito pouco antes por Hector
Babenco ("Lúcio Flávio"), concebeu-se uma "resposta".
Nos anos 80, com a agonia do
filme popular, Jece Valadão retira-se. Seu legado, com toda a
irregularidade que comporta a
produção de filmes, não é devidamente valorizado (valoriza-se mais, não raro, o trabalho de
produtores que passaram a vida pendurados em estatais e
congêneres), mas é um dos
mais interessantes do cinema
brasileiro moderno.
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