São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

"A MORTE DE VISHNU"

Autor integra grupo consistente de hindo-americanos que chegaram ao mercado em 2001

Manil Suri retrata a Índia complexa em estréia em romance

BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Já que estes últimos dias do ano sugerem a atividade de fazer balanços de todos os tipos, vamos começar por um modesto, mas que deve ter passado mais ou menos despercebido.
No mercado editorial, 2001 marcou a chegada de três interessantes autores hindo-americanos ao Brasil: Jhumpa Lahiri, com seu ótimo "Intérprete de Males", Akhil Sharma e "Um Pai Obediente" e este "A Morte de Vishnu", de Manil Suri.
Para além de dar a conhecer uma literatura ainda ignorada por aqui de escritores em situação de trânsito entre a Índia e os Estados Unidos, tais autores têm em comum o fato de revelarem aquele enorme país daquilo que se chamava de Terceiro Mundo no milênio passado de forma muito diversa das habituais imagens de exotismo e esoterismo.
A Índia de que tratam Lahiri, Suri e Sharma emerge muito mais complexa e interessante do que a dos escritores britânicos do fim do século 19 ou da mistificação hippie dos anos 60/70.
Embora menos brilhante do que Jhumpa Lahiri (desta leva, é a escritora mais promissora e os contos de "Intérprete de Males" estão entre as melhores coisas lançadas este ano no Brasil), Manil Suri estréia com um romance consistente e intrigante.

Agonia e morte
"A Morte de Vishnu" trata dos últimos momentos da vida de um mendigo que tem o mesmo nome que a divindade e vive nas escadas de um prédio em Déli.
Sua agonia em público torna-se motivo de uma disputa entre as duas famílias mais proeminentes, os Asrani e os Pathak, e acaba por mobilizar todo o microcosmo que habita o prédio: a faxineira, os comerciantes de rés-do-chão, a perseguida e discriminada família muçulmana, o viúvo solitário do último andar.
Dito assim, parece formulaico e por vezes, de fato, Suri tangencia uma certa monotonia narrativa ao se apoiar demais no efeito causado pelo contraste entre o mundo interior de Vishnu, com suas memórias e alucinações cada vez mais alegóricas, e as mazelas do mundo externo.
Na medida em que vão se acirrando os conflitos entre os personagens vivos e vão surgindo suas mais recônditas mesquinharias e maluquices, Vishnu aproxima-se de uma espécie de transcendência e começa a acreditar que é o deus e não apenas um homem que morre.
Mas a vivacidade da escrita de Suri e a diversidade de cenas e personagens distribuídos pelo romance compensa uma certa facilidade esquemática.
Particularmente saborosas são as hesitações da jovem Asrani -dividida entre uma paixão proibida e as inclinações comodamente burguesas de um casamento arranjado e aprovado pela família-, vividas num tom de irrealidade cinematográfica (em Suri e Sharma, o cinema popular indiano desempenha um papel importantíssimo no imaginário dos personagens).
Também saborosos são os toques quase cômicos da feroz, mas banal, rivalidade entre os muito pobres e aqueles pouco menos pobres que circulam ao redor de Vishnu.
Para um primeiro romance, Manil Suri, que também é matemático e professor universitário, demonstra uma notável capacidade de compreender e falar daquilo que é patético.
O autor faz com que todos os habitantes do prédio, seja os dominados pelos signos do mais raso egoísmo aos aspirantes ao mais pretensioso misticismo ou ao mais vazio desprendimento, exalem apenas um inequívoco (e patético) cheiro de humanidade.


A Morte de Vishnu
The Death of Vishnu - A Novel    
Autor: Manil Suri

Tradutor: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (320 págs.)




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