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LIVRO/LANÇAMENTO
"A MORTE DE VISHNU"
Autor integra grupo consistente de hindo-americanos que chegaram ao mercado em 2001
Manil Suri retrata a Índia complexa em estréia em romance
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Já que estes últimos dias do
ano sugerem a atividade de fazer balanços de todos os tipos, vamos começar por um modesto,
mas que deve ter passado mais ou
menos despercebido.
No mercado editorial, 2001
marcou a chegada de três interessantes autores hindo-americanos
ao Brasil: Jhumpa Lahiri, com seu
ótimo "Intérprete de Males",
Akhil Sharma e "Um Pai Obediente" e este "A Morte de Vishnu", de Manil Suri.
Para além de dar a conhecer
uma literatura ainda ignorada por
aqui de escritores em situação de
trânsito entre a Índia e os Estados
Unidos, tais autores têm em comum o fato de revelarem aquele
enorme país daquilo que se chamava de Terceiro Mundo no milênio passado de forma muito diversa das habituais imagens de
exotismo e esoterismo.
A Índia de que tratam Lahiri,
Suri e Sharma emerge muito mais
complexa e interessante do que a
dos escritores britânicos do fim
do século 19 ou da mistificação
hippie dos anos 60/70.
Embora menos brilhante do
que Jhumpa Lahiri (desta leva, é a
escritora mais promissora e os
contos de "Intérprete de Males"
estão entre as melhores coisas
lançadas este ano no Brasil), Manil Suri estréia com um romance
consistente e intrigante.
Agonia e morte
"A Morte de Vishnu" trata dos
últimos momentos da vida de um
mendigo que tem o mesmo nome
que a divindade e vive nas escadas
de um prédio em Déli.
Sua agonia em público torna-se
motivo de uma disputa entre as
duas famílias mais proeminentes,
os Asrani e os Pathak, e acaba por
mobilizar todo o microcosmo que
habita o prédio: a faxineira, os comerciantes de rés-do-chão, a perseguida e discriminada família
muçulmana, o viúvo solitário do
último andar.
Dito assim, parece formulaico e
por vezes, de fato, Suri tangencia
uma certa monotonia narrativa
ao se apoiar demais no efeito causado pelo contraste entre o mundo interior de Vishnu, com suas
memórias e alucinações cada vez
mais alegóricas, e as mazelas do
mundo externo.
Na medida em que vão se acirrando os conflitos entre os personagens vivos e vão surgindo suas
mais recônditas mesquinharias e
maluquices, Vishnu aproxima-se
de uma espécie de transcendência
e começa a acreditar que é o deus
e não apenas um homem que
morre.
Mas a vivacidade da escrita de
Suri e a diversidade de cenas e
personagens distribuídos pelo romance compensa uma certa facilidade esquemática.
Particularmente saborosas são
as hesitações da jovem Asrani
-dividida entre uma paixão
proibida e as inclinações comodamente burguesas de um casamento arranjado e aprovado pela família-, vividas num tom de irrealidade cinematográfica (em
Suri e Sharma, o cinema popular
indiano desempenha um papel
importantíssimo no imaginário
dos personagens).
Também saborosos são os toques quase cômicos da feroz, mas
banal, rivalidade entre os muito
pobres e aqueles pouco menos
pobres que circulam ao redor de
Vishnu.
Para um primeiro romance,
Manil Suri, que também é matemático e professor universitário,
demonstra uma notável capacidade de compreender e falar daquilo que é patético.
O autor faz com que todos os
habitantes do prédio, seja os dominados pelos signos do mais raso egoísmo aos aspirantes ao mais
pretensioso misticismo ou ao
mais vazio desprendimento, exalem apenas um inequívoco (e patético) cheiro de humanidade.
A Morte de Vishnu
The Death of Vishnu - A Novel
Autor: Manil Suri
Tradutor: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (320 págs.)
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