São Paulo, quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

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CINEMA

Diretores questionam qualidade de versões em digital, mais baratas que as em película; público nota poucas mudanças

Projeção digital desagrada a especialistas

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Estacionar seu carro em um lugar concorrido. Chegar antes do horário para sessões disputadas. Pagar até R$ 16 por um ingresso. E, na sala de cinema, assistir a um... DVD.
É assim que profissionais do meio cinematográfico e parte do público se sentiram em sessões de projeção digital em São Paulo e no Rio. Apresentados ao longo de 2005, títulos de cineastas como Marcelo Gomes ("Cinema, Aspirinas e Urubus"), Sérgio Machado ("Cidade Baixa"), Claire Denis ("Desejo e Obsessão"), Manoel de Oliveira ("Um Filme Falado") e Vincent Gallo ("Brown Bunny"), entre outros, tiveram exibição com qualidade discutível, segundo os entrevistados, e foram alvo de reclamações.
O argumento mais utilizado pelos distribuidores responsáveis -Imovision, Mais Filmes, Filmes do Estação e VideoFilmes (leia texto ao lado)-, pelos exibidores e pela Rain Network, empresa responsável pela digitalização nesse circuito, é o do barateamento dos custos. A qualidade não é a mesma da película, segundo eles, mas os filmes estrangeiros poderiam não ser lançados no Brasil caso não houvesse a opção digital.

Olhar crítico
Cineastas vêem problemas na mudança de padrão. "O cinema levou cem anos para se aproximar da pintura, e isso está sendo jogado pelos ares", diz o diretor Carlos Reichenbach ("Bens Confiscados"). Para ele, "a imagem digital perde contorno, matiz e textura".
O diretor Eduardo Valente ("Um Sol Alaranjado") acredita que o barateamento dos filmes em digital "deve ser visto com olhos críticos".
"Já vimos filmes muito "arriscados" [do chamado circuito de arte ou alternativo] serem lançados em película ao longo dos anos aqui. E a gente vê um sem-número de filmes "arriscados" simplesmente não passarem aqui", afirma Valente. "Para isso virar simplesmente uma forma de lançar os mesmos filmes que iriam estrear antes é um passo", afirma.
Valente acredita que filmes pensados em digital, até estrangeiros, podem optar por esse caminho. "É uma situação interessante que abre algumas portas", diz ele.
"Mas no caso dos estrangeiros, que não têm nenhum controle do uso das matrizes e do processo de compressão, é muito complicado. Digital por digital, espero sair em DVD e passar na TV, na qual o filme perde menos na imagem."
Mauro Pinheiro Jr., diretor de fotografia de "Cinema, Aspirinas e Urubus", não teve oportunidade de supervisionar o encodamento [processo que cria uma mídia para exibição digital, a partir da matriz do filme] do seu longa, distribuído em três capitais com 11 cópias em película e sete em digital.
"Não critico a opção do digital, que, sem muito dinheiro para distribuição, foi o meio viável para aumentar o circuito do filme. Mas o filme tem um alcance estético em película que a cópia digital não chega, ao menos não agora", diz Pinheiro, que não é contra o digital, mas acha que "ainda existe uma diferença com a película que não pode ser desprezada".

Público
Entre o público, apesar de a maioria não saber diferenciar os dois tipos de projeção, há reclamações. O estudante de história Francisco Thompson, 21, detectou problemas na projeção digital de "Cidade Baixa", que ele já tinha visto em película na Mostra de Cinema de São Paulo. "O filme perdeu a granulação que tinha na fotografia original, e a imagem dava trancos, travando e depois acelerando. Parecia que tinha um véu na imagem, o preto estava esmaecido e coisas em profundidade de campo estavam sem definição."
Nem todo o público, no entanto, percebe tantos problemas. Leonardo Seiji Oyama, 21, estudante de engenharia, achou "boa" a qualidade da imagem digital de "Cidade Baixa". Já o músico Marco Aurélio Nunes, 34, considerou "legal" a projeção, mas percebeu que "a imagem dava uma freada estranha". Os três espectadores viram o filme no Espaço Unibanco de Cinema, em São Paulo, no último dia 22.
Espectadores que viram a cópia digital de "Cinema, Aspirinas e Urubus" também não sabiam diferenciar as duas mídias e dizem que escolhem o filme "pela história", como frisa a professora de ioga Sônia Bosco, 48. "Não vi nada de errado na projeção, mas achei que o som estava um pouco diferente", avalia o estudante de história Adriano Henriques Machado, 22. Bosco e Machado viram o filme no Cineclube Vitrine, em São Paulo, no último dia 22.
O coordenador do curso de cinema digital da Universidade Metodista de São Paulo, José Augusto De Blasiis, acredita que os "saltos" da projeção da Rain se dão porque o equipamento não consegue ler na velocidade de resolução. "É parecido quando o computador dá "pau" ou dá aqueles solavancos nas reproduções do Windows Media Player." De Blasiis diz que o projetor da Rain tem baixa luminância [brilho] para salas e telas grandes.

Ética na intervenção
O professor de cinema da USP (Universidade de São Paulo) Rubens Machado Júnior questiona os produtos digitais. "Há uma ética que o exibidor e o distribuidor deveriam ter antes de fazer isso [a digitalização], uma vez que é uma intervenção no resultado final idealizado pelo cineasta."
Na França, por exemplo, a situação é diferente. O CNC (Centre National du Cinéma) subsidia os equipamentos para projeção em película, e, por isso, as salas contam com projetores novos, minimizando a utilização da nova mídia. "Não há urgência de troca na França", afirma o adido audiovisual do consulado da França, Christian Boudier.


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