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DVD/CRÍTICA
Série é réquiem da mestiçagem brasileira
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Eu não sei para onde vou,/
pode até não dar em nada." A fala cantada do menino
caipira, num dos últimos episódios de "O Povo Brasileiro", série
para a TV a partir do livro homônimo do antropólogo e político
Darcy Ribeiro (1922-1997) agora
lançada em DVD, serve como comentário preciso sobre um país
agora em crise de identidade, e é a
síntese do que esse bom trabalho
de divulgação representa.
De forma desavisada, por ser
um programa do Brasil pós-industrial, pela idade do "apresentador" (ao gravar, Darcy já chegava ao fim da luta contra o câncer,
optando por esperar a morte à
beira da brisa marinha de sua casa
em Maricá, no Rio), pelo tom fácil
e pedagógico de vulgarização de
uma tese que, ao surgir com Gilberto Freyre, foi revolucionária, a
série termina por ser o réquiem
da grande ideologia brasileira do
século 20: a mestiçagem.
É que o tom grandiloqüente,
quase profético, sobre esse povo-cruzamento de índios, negros e
brancos que ainda se encontra
nesse produto do ano 2000 já se
achava, para usar uma boa expressão paulista, fora do seu lugar
(no tempo). A mestiçagem, embora com olhos saudosos voltados para a praia do Brasil aristocrático que sobe a costa do Rio a
Recife, foi a ideologia de um país
que se industrializava velozmente
e permitia uma grande mobilidade social -nunca antes e nunca
depois igualada.
Como unir (numa idéia) e, ao
mesmo tempo, manter as diferenças hierárquicas desse povo que
se movia não só no território, mas
na pirâmide de renda? Ora, a idéia
de que os brasileiros somos todos
mestiços, ao mesmo tempo que
representa uma forma sofisticada
de republicanismo, permitia, no
reverso de sua moeda, a separação entre os socialmente "brancos" e os socialmente "negros".
Com o travamento do crescimento e da mobilidade social de
meados dos anos 80 para cá, o giro em falso do presente deixa saudades de uma época que, ao menos, parecia compreensível.
Há muitas imagens de praia no
programa de Isa Grinspum Ferraz, justamente quando o centro
econômico do país se distancia
desse litoral, em direção à grande
"paulistânia caipira", que chega
até onde o agronegócio alcança. E,
nas intervenções de personalidades como Chico Buarque, Gilberto Gil e Paulo Vanzolini, telas coloridas como colchas de retalhos
ao fundo, "metáfora" de uma sociedade brasileira com conforto
de casa (grande?) de avó.
Na divisão que Darcy e a diretora fazem da sociedade brasileira
em diferentes regiões geográfico-identitárias há lugar para São
Paulo. Por conta mesmo de ter sido o resultado mais pujante do
processo de industrialização brasileiro, não é gratuito que seja do
ABC que saia o governo a projetar
o fim "oficial" da mestiçagem.
Ocorre que toda ideologia, se
traz a sua cota de farsa, também
realiza o seu trabalho de promessa. Não há sonho republicano
substituto melhor, nesse campo,
no Brasil. Ao execrar a ideologia
da mestiçagem pelo que ela tem
de engodo, o governo e o movimento negro ameaçam jogar fora
não só a água suja do banho, mas
o bebê também.
O Povo Brasileiro
Distribuidora: Versátil; R$ 60
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