São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2007

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Crítica/"O Laboratório dos Venenos"

Russo investiga fábrica de envenenamentos

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A morte por provável envenenamento do ex-agente soviético Alexandre Litvinenko, que fez um ano no mês passado, foi uma história de repercussão.
O homem, que definhou diante das câmeras durante semanas num hospital em Londres, havia denunciado o assassinato, também por envenenamento, de um alto funcionário da polícia de Moscou que investigava manobras do FSB, órgão que substituiu a KGB, o serviço secreto soviético.
O episódio empresta uma atualidade sinistra a "O Laboratório dos Venenos", de Arkadi Vaksberg. No livro, o veterano jornalista russo faz um minucioso inventário dos assassinatos políticos secretos, que remontam aos tempos da Revolução Russa de 1917.
A obra gira em torno do laboratório de produtos tóxicos, que, segundo o autor, foi criado por Lênin em 1921. Vaksberg resgata as palavras do líder comunista: "Tudo o que serve à causa da revolução é moral".
A tese do jornalista é que a prática bolchevique do terrorismo, que atingiu o auge durante o período de Stálin, foi herdada pelos governos eleitos após o fim da União Soviética em 1991.
Trata-se de uma "herança espiritual que [o atual presidente] Putin não consegue nem deseja abandonar".
A coragem do autor não pode ser subestimada. Tendo convivido com várias das vítimas, Vaksberg denuncia dezenas de casos, inclusive o de Litvinenko, e enfrenta interesses poderosos, o que coloca sua própria vida em risco, uma ameaça que ele não comenta.

Rumores
O livro, no entanto, tem uma fragilidade. Ao relatar os casos, o autor usa "mais raciocínios psicológicos do que fontes escritas".
Dá crédito também a rumores, acreditando que "eles nunca são infundados". E admite, quase ao final, referindo-se a um caso específico, ter lançado mão de "construções lógicas", e não de provas irrefutáveis.
As precárias condições de investigação explicam as falhas de apuração. Na maioria dos casos, o autor convence ao descrever as mortes misteriosas, seja pela ingestão de um bombom com o velho cianureto, seja pelo raspão da ponta de um guarda-chuva impregnada com algum veneno de última geração.

Morte de Lênin
Mas há casos de especulação desnecessária. Vaksberg endossa, por exemplo, a versão de que Stálin, irritado porque Lênin demorava a morrer pelas complicações de um atentado a bala, teria apressado seu fim recorrendo ao arsenal do laboratório secreto que o moribundo criara.
Teria sido irônico. É até possível que tenha sido assim. Mas não é plausível, e, na falta de documentação, trata-se de uma verdade inacessível, o que torna inútil a especulação.

Painel
"O Laboratório dos Venenos", no entanto, não deixa de ser um painel consistente dos porões de uma sociedade que não foi capaz de se livrar do terrorismo como arma política.
O livro deixa uma série de fios soltos para quem se habilitar a chegar ao fim do novelo.
Mas não é tarefa para qualquer um: os fios dessa história estão desencapados.


OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).


O LABORATÓRIO DOS VENENOS - A INDÚSTRIA DO ASSASSINATO POLÍTICO NA RÚSSIA DE LÊNIN A PUTIN
Autor:
Arkadi Vaksberg
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39,90 (304 págs.)
Avaliação: bom


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