São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 2001

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

Sob o sol da raiva

O cantor argentino Fito Paez lança disco e clipe violento sobre a vida em Buenos Aires

DA REPORTAGEM LOCAL

O cantor argentino Fito Paez resolveu aplicar um verdadeiro eletrochoque em seus conterrâneos. Como? Basta acompanhar algumas passagens do clipe da faixa de abertura ("El Diablo de Tu Corazón") de seu novo CD, "Rey Sol", para termos uma amostra.
Primeira tomada, cenas de briga nas ruas da capital argentina, socos, vidros quebrados, idosos feridos, sangue, enquanto ouvimos: "Buenos Aires, hoy te falta mambo, te sobra muerte".
Depois, acompanhamos um cachorro que invade furioso o metrô e ataca as pessoas. Passamos então para algumas cenas escatológicas: um funcionário de uma lanchonete vomita em um hambúrguer -logo depois digerido por um consumidor-, um outro enfia a cabeça de um colega no óleo quente das batatas fritas, depois massacra sua cabeça na chapa de hambúrgueres. Ao final, uma virada dramática dá início a uma insólita sequência de beijos na boca entre transeuntes -idosos, meninas e um mendigo.
Essa mistura de realismo mágico com "Um Dia de Fúria" (filme de Joel Schumacher em que o personagem vivido por Michael Douglas reage violentamente contra as mazelas da cidade grande) é o alerta de Fito Paez.
"Buenos Aires é como todas as cidades do mundo, fiz essa canção para a nossa época, é preciso nos darmos conta da violência ao nosso redor. As pessoas cada vez entendem menos, e o choque e o humor podem acordá-las", disse o cantor à Folha, por telefone, da capital argentina.
E a violência não pára aí. Em "Acerca del Niño Proletário", Fito adapta conto do escritor argentino Osvaldo Lamborghini que narra o estupro e a morte de um menino pobre por garotos ricos.
"Escolhi porque achei o texto visionário. Lamborghini escreveu nos anos 70 essa história que é hoje muito atual, ele era um futurólogo em sua visão da violência."
Em relação a seus trabalhos anteriores, o disco soa muito mais roqueiro e menos voltado a atender os padrões do mercado pop. "É mais rock'n'roll sim. Mas não é uma nova tendência em minha música. Acho que todos nós sempre fazemos a mesma canção. Quem está falando é sempre o mesmo, queira ou não, ainda que se trabalhe com uma orquestra sinfônica, tambores argentinos ou brasileiros, quarteto de cordas ou conjuntos de rock."
O vínculo com o Brasil, já manifesto anteriormente em algumas parcerias com artistas brasileiros (Djavan, Herbert Vianna, Caetano Veloso), mostra-se na faixa "Hay Algo en el Mundo", que adapta letra de Vinicius de Moraes (un poco de tristeza não tem fim/ un poco de felicidade sim). "Acho que, quando se vive com algo em sua casa, é normal que isso acabe aparecendo também em seu trabalho, e eu escuto Vinicius desde os 9, 10 anos de idade", diz.
Com uma passagem pelo Brasil planejada para maio deste ano, o cantor também não descarta a hipótese de, num futuro próximo, gravar um disco todo em português.
"Eu gostaria muito. Mas para fazer um disco assim é preciso muito tempo, pois é preciso levar em conta muita história, muita tradição, muito suingue. E é preciso fazê-lo muito bem, para que não pareça turístico", diz.
Em março, o cantor começa a rodar um filme com a mulher, a atriz Cecilia Roth. "Vai chamar-se "Vidas Privadas" e é um romance que tem como cenário os últimos 30 anos de história política da Argentina", conta.
(SYLVIA COLOMBO)


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