|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA/LANÇAMENTOS
Sob o sol da raiva
O cantor argentino Fito Paez lança disco e clipe violento
sobre a vida em Buenos Aires
DA REPORTAGEM LOCAL
O cantor argentino Fito Paez resolveu aplicar um verdadeiro eletrochoque em seus conterrâneos.
Como? Basta acompanhar algumas passagens do clipe da faixa de
abertura ("El Diablo de Tu Corazón") de seu novo CD, "Rey Sol",
para termos uma amostra.
Primeira tomada, cenas de briga
nas ruas da capital argentina, socos, vidros quebrados, idosos feridos, sangue, enquanto ouvimos:
"Buenos Aires, hoy te falta mambo, te sobra muerte".
Depois, acompanhamos um cachorro que invade furioso o metrô e ataca as pessoas. Passamos
então para algumas cenas escatológicas: um funcionário de uma
lanchonete vomita em um hambúrguer -logo depois digerido
por um consumidor-, um outro
enfia a cabeça de um colega no
óleo quente das batatas fritas, depois massacra sua cabeça na chapa de hambúrgueres. Ao final,
uma virada dramática dá início a
uma insólita sequência de beijos
na boca entre transeuntes -idosos, meninas e um mendigo.
Essa mistura de realismo mágico com "Um Dia de Fúria" (filme
de Joel Schumacher em que o personagem vivido por Michael
Douglas reage violentamente
contra as mazelas da cidade grande) é o alerta de Fito Paez.
"Buenos Aires é como todas as
cidades do mundo, fiz essa canção
para a nossa época, é preciso nos
darmos conta da violência ao nosso redor. As pessoas cada vez entendem menos, e o choque e o humor podem acordá-las", disse o
cantor à Folha, por telefone, da
capital argentina.
E a violência não pára aí. Em
"Acerca del Niño Proletário", Fito
adapta conto do escritor argentino Osvaldo Lamborghini que
narra o estupro e a morte de um
menino pobre por garotos ricos.
"Escolhi porque achei o texto visionário. Lamborghini escreveu
nos anos 70 essa história que é hoje muito atual, ele era um futurólogo em sua visão da violência."
Em relação a seus trabalhos anteriores, o disco soa muito mais
roqueiro e menos voltado a atender os padrões do mercado pop.
"É mais rock'n'roll sim. Mas não é
uma nova tendência em minha
música. Acho que todos nós sempre fazemos a mesma canção.
Quem está falando é sempre o
mesmo, queira ou não, ainda que
se trabalhe com uma orquestra
sinfônica, tambores argentinos
ou brasileiros, quarteto de cordas
ou conjuntos de rock."
O vínculo com o Brasil, já manifesto anteriormente em algumas
parcerias com artistas brasileiros
(Djavan, Herbert Vianna, Caetano Veloso), mostra-se na faixa
"Hay Algo en el Mundo", que
adapta letra de Vinicius de Moraes (un poco de tristeza não tem
fim/ un poco de felicidade sim).
"Acho que, quando se vive com
algo em sua casa, é normal que isso acabe aparecendo também em
seu trabalho, e eu escuto Vinicius
desde os 9, 10 anos de idade", diz.
Com uma passagem pelo Brasil
planejada para maio deste ano, o
cantor também não descarta a hipótese de, num futuro próximo,
gravar um disco todo em português.
"Eu gostaria muito. Mas para
fazer um disco assim é preciso
muito tempo, pois é preciso levar
em conta muita história, muita
tradição, muito suingue. E é preciso fazê-lo muito bem, para que
não pareça turístico", diz.
Em março, o cantor começa a
rodar um filme com a mulher, a
atriz Cecilia Roth. "Vai chamar-se
"Vidas Privadas" e é um romance
que tem como cenário os últimos
30 anos de história política da Argentina", conta.
(SYLVIA COLOMBO)
Texto Anterior: Literatura: Chega ao Rio mostra que analisa apelo popular de Eça de Queirós Próximo Texto: Crítica: Disco renova fórmula celebrizada pelo cantor no passado Índice
|