São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA

Em entrevista durante as gravações da novela, diretor fala sobre a dramaturgia brasileira

Monjardim busca o real sem abalar o sonho

DO ENVIADO ESPECIAL A LAJITAS (TEXAS)

Apenas oito autores. Para o diretor Jayme Monjardim, tendências recentes da novela brasileira, como a aproximação com a realidade, são determinadas pelas poucas mãos que monopolizam a teledramaturgia no país.
"A novela depende muito da capacidade de poucos autores para produzir histórias. A TV vai no rumo de oito autores, no máximo, e está nas mãos deles o nosso conceito de novela. A característica da Glória [Perez] é buscar um tema novo, então as novelas vão atrás disso; do Manoel Carlos, o dia-a-dia. São muito poucos autores para uma imagem tão poderosa que a televisão tem", disse, em entrevista durante as gravações da novela "América", no Texas.
De volta à TV após fazer o filme "Olga", Monjardim também vê na busca por "histórias reais" um reflexo do esgotamento de tramas originais.
"É muito difícil encontrar uma história inédita. São cem anos contando histórias, só dentro do cinema. De seis anos para cá, a televisão pegou essa veia das histórias reais e de ter uma participação social maior, de viver uma realidade dentro daquela história, mas discutindo os problemas e tentando trazer uma mensagem social", afirma.
A aproximação com a realidade, no entanto, não fará da imigração ilegal para os EUA o tema principal da novela, acredita Monjardim. Para ele, o grande tema da novela são os sonhos.
"São 80 personagens e 80 sonhos. Um dos sonhos é o da Sol [Deborah Secco] de fazer a América. O outro sonho é o do peão que quer ser campeão de rodeio. Óbvio que, como a Sol é a protagonista, sobressai a idéia da imigração, mas é mais importante valorizar o sonho dela do que a travessia em si."
Mas, se a protagonista realizar o seu sonho, qual será o impacto de uma história bem-sucedida no explosivo problema da imigração ilegal para os Estados Unidos num público médio diário de 60 milhões de telespectadores?
"Isso é uma decisão muito da Glória, mas com certeza não há nenhum desejo de estimular as pessoas a partir para a imigração ilegal. A proposta da novela é mostrar que não é assim, não é só chegar lá e atravessar, é preferível você entrar legalmente, brigar pelo visto. Eu tenho certeza que, com a novela no ar, muita gente vai pensar duas vezes em atravessar. Será um benefício para o Brasil e para os Estados Unidos."
E a vida como imigrante na Flórida não recompensará a travessia? "A Glória não vai alimentar o que é ilegal. Ela pode até atravessar, ser feliz por um tempo, mas um preço ela vai pagar."
Com a "realidade" ocupada pela imigração ilegal, a "mensagem social" da novela terá como tema a deficiência visual.
"Você sabe qual é o maior desespero do cego nas ruas? É o orelhão. Na bengala, até chegar lá, ele já bateu com a cabeça no orelhão. Estou dando isso como um exemplo porque é uma das grandes campanhas que a gente vai fazer: conscientizar o governo da necessidade de fazer uma cidade para os deficientes em geral."

Detenção
A pesquisa sobre imigrantes levou Monjardim várias vezes a campo durante os últimos seis meses, período em que visitou abrigos de imigrantes e chegou a ser detido por policiais norte-americanos.
O episódio ocorreu quando, acompanhado da produtora Cláudia Braga e do ator Thiago Lacerda, Monjardim gravava imagens do posto de fronteira entre as cidades de El Paso (Texas) e Juarez (México). Ele foi obrigado a ficar apenas de cueca e teve as gravações apagadas.
"De repente, um cara me agarrou violentamente pelo cabelo e pela roupa e me fez atravessar uma fila de mais de cem metros como se eu fosse um maluco qualquer. Fiquei seis horas bem desagradáveis numa sala sem me darem um motivo. Enquanto não chegou o FBI [polícia federal], não fomos liberados", conta. "Eu entendo [a ação policial], mas a forma como eles fazem é questionável." (FM)

Texto Anterior: 11/9 dividiu dois únicos povoados da região
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.