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MARCELO COELHO
Quem disse que é nossa?
A Amazônia não é uma prioridade real para os brasileiros, mas é uma prioridade mundial
VEM DA AMAZÔNIA a má notícia
de que o desmatamento cresceu além das previsões. Mas o
que se chamava de boa notícia, em
anos anteriores, afinal não era nada
de tão bom assim: registrou-se, apenas, que o ritmo da devastação estava caindo e não que a tivessem interrompido, por um dia só que fosse.
Vou perdendo a paciência com essas estatísticas e gostaria de fazer
uma observação simples e radical.
Não tenho nem um centésimo das
informações que meu xará da Folha, Marcelo Leite, pode dar sobre
o assunto, e espero que desta vez
não o confundam comigo, coisa
que acontece com freqüência.
Sempre que alguém fala em "internacionalizar a Amazônia", surge
um grito de guerra: "A Amazônia é
nossa!".
Mas como assim, "é nossa?". A
Amazônia, no momento, é dos que
a invadem e devastam. Sejam madeireiros, plantadores de soja, pecuaristas, mineradoras ou fabricantes de ferro-gusa que, segundo
documento divulgado pela Confederação Nacional da Agricultura,
precisam de mais florestas para fazer carvão do que os bois precisam
de pastagens.
A Amazônia seria "nossa" se o
poder público tivesse condições de
impor a lei naquela região, se conseguisse fiscalizar e punir quem
promove o desmatamento.
Mas o poder público brasileiro
não consegue sequer fiscalizar e
impor a lei dentro dos presídios de
segurança máxima... Lugares onde,
se existe algum, a fiscalização deveria ser total e o império da lei assegurado à risca.
Quando ocorre algum genocídio
não sei em que lugar do mundo, é
natural que se peça a intervenção
da ONU. O que não significa dar
carta-branca para uma potência tomar conta das riquezas de um país.
O que ocorre na Amazônia tem
tudo para ser tão preocupante
quanto um genocídio. A humanidade inteira é vitimada enquanto nós,
brasileiros, agimos como aqueles
manifestantes sérvios que orgulhosamente desafiavam as tropas internacionais, em completo desprezo pelas minorias étnicas que eram
dizimadas por ali.
Achamos correto quando crimes
contra a humanidade são submetidos a tribunais internacionais.
Pouca gente se dispôs a defender
Pinochet quando um juiz espanhol
considerou que as fronteiras chilenas não o protegiam do que fez
contra o gênero humano.
Talvez não seja adequado levar
os responsáveis pela devastação a
um tribunal suíço. O caso em prol
da Amazônia pode ser enunciado
de forma diferente.
Trata-se de devolver às populações locais uma terra que pode ser
explorada racionalmente se contar
com ajuda, fiscalização e verbas do
mundo inteiro.
Se governos estrangeiros e entidades internacionais, em concordância com o Brasil, puderem intervir no sentido de fazer da floresta uma região de preservação ecológica mundial, creio que a Amazônia seria mais "nossa" (isto é, de
quem vive lá e não a derruba) do
que é atualmente.
Outras "soluções", para dizer
francamente, não me parecem soluções. Quem imagina que o Ibama,
o Exército, a Polícia Federal dispõem de recursos suficientes para
tomar conta de tudo aquilo? E que
direito temos nós de mascarar nossa ineficiência, nosso desleixo, com
um nacionalismo que não engana
ninguém?
O fato é que a Amazônia não é
uma prioridade real para os brasileiros, que têm problemas terríveis
a resolver bem mais perto -debaixo de cada ponte e viaduto urbano,
para dizer o óbvio.
Mas é uma prioridade mundial.
Parece-me infantil dizer que os
americanos vão chegar aqui e tirar
"nossas" riquezas. Quem está acabando com elas, e enriquecendo à
custa de todo o planeta, é a madeireira (nacional ou não, isso pouco
importa), o pecuarista, o plantador
de soja.
O governo brasileiro bem que
gostaria, imagino, de limitar esse
enriquecimento. Mas não é objetivamente capaz disso.
Concordo que "internacionalização" é uma palavra forte demais.
Sugere a entrega de nossa soberania, sem nada em troca. Outras fórmulas, mais suaves, podem ser concebidas pelos especialistas no assunto. Não sou especialista no assunto. Pessoalmente, não temo
usar a palavra. Nossa soberania,
afinal, não existe. Existiria se pudéssemos impor nossa vontade sobre a região. Ano após ano, é precisamente isso o que verificamos não
acontecer.
coelhofsp@uol.com.br
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