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LIVROS
Crítica/""Desilusões de um Americano"
Thriller aparente atrai pela construção de personagens
Terceiro romance da americana Siri Hustvedt une psicanálise e neurociências
RODRIGO LACERDA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Desilusões de um
Americano" é o
terceiro romance
de Siri Hustvedt a sair no Brasil. Embora o nome da autora
seja sempre acompanhado pelo
epíteto "a mulher do Paul Auster", o escritor americano com
quem é casada, Siri possui méritos próprios, como prova este
novo lançamento.
A gênese do livro se deu com
a morte do pai da escritora, que
lhe deixou um diário repleto de
histórias da família de origem
norueguesa, imigrada para os
EUA. Neste diário, seu pai conta como, já em seu novo país,
enfrentou a Depressão dos
anos 30, e recupera suas experiências, mais tarde, como soldado na Segunda Guerra.
A morte do pai colocou Siri
diante de outra experiência
mobilizadora, também importante na concepção do romance. Numa cerimônia em homenagem ao pai, ela foi acometida
por tremores pelo corpo, descobrindo-se vítima de uma crônica doença neurológica.
"Desilusões de um Americano" tem dois narradores. Um é
Lars Davidsen, que, ao morrer,
deixa para os filhos, Eric e Inga,
um diário completo de sua vida.
Este diário "ficcional" é, em
grande parte, uma transcrição
do diário deixado pelo pai de Siri na vida real. O outro é justamente o filho de Lars, o psiquiatra Eric Davidsen, o "americano desiludido" do título.
O romance se estrutura a
partir de três mistérios. O primeiro diz respeito a determinada passagem do diário de Lars,
que menciona sua cumplicidade com uma antiga amiga de juventude, Lisa Odland, no acobertamento da morte de alguém. Eric e sua irmã sentem-se instigados a descobrir quem
morreu e por que o pai ajudou a
encobrir a morte.
O segundo mistério diz respeito à própria irmã, Inga, alter
ego de Siri no livro, pois sofre
da mesma doença neurológica
que ela e foi casada com um célebre escritor e roteirista, chamado Max. O falecido esposo
de Inga, pai de sua filha Sônia,
antes de morrer enviou cartas
comprometedoras à atriz de
um de seus filmes, Edie Bly. O
conteúdo das cartas, a verdadeira natureza da relação entre
Max e Edie e a luta de Inga por
aceitar os segredos e a fama
opressiva do marido compõem
o segundo eixo do romance.
O terceiro fio condutor diz
respeito à inquilina de Eric, a
jovem e bela jamaicana Miranda, que se muda com a filha para o prédio do narrador e torna-se sua amiga. Um clima romântico se estabelece entre eles.
Mas então macabras fotografias dela e da filha começam a
surgir na entrada do prédio.
Miranda sabe quem é o autor
das fotos, mas, apesar de ameaçada, não entrega a identidade
do agressor à polícia ou ao senhorio/narrador, e tampouco
esclarece que vínculos a impedem de denunciá-lo.
Mesmo impulsionado por
tantos "mistérios", trata-se de
um thriller apenas aparente. A
vinda à tona do passado e as
construções emocionais dos
personagens são o verdadeiro
atrativo do romance. Ao longo
da história, há uma interessante interrogação sobre a natureza da memória, dos sonhos e
fantasias de cada um, combinando psicanálise, neurociências e bioquímica à sensível observação literária da autora.
RODRIGO LACERDA é escritor, autor de "Outra
Vida" (Alfaguara) e "O Fazedor de Velhos" (Cosac Naify), entre outros.
DESILUSÕES DE UM AMERICANO
Autora: Siri Hustvedt
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 49 (368 págs.)
Avaliação: bom
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