São Paulo, sábado, 30 de janeiro de 2010

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LIVROS

Crítica/"O Vinho da Juventude"

Simplicidade é apenas verniz em contos de John Fante

Em narrativas autobiográficas, americano retrata universo dos imigrantes

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Existe uma linhagem na literatura norte-americana que pode ser rastreada desde Henry D. Thoreau (1817-1862) e Walt Whitman (1819-1892), passando por John Fante (1909-1983), o autor de "O Vinho da Juventude", antologia de contos ora reeditada, e culminando em David Foster Wallace (1962-2008).
Não se trata, é evidente, de "culminar" coisa alguma, pois é impossível que tão poderosa corrente de ternura pela humanidade cesse algum dia. Essa tradição alimenta e multiplica novos representantes, a exemplo do próprio Wallace. Não é caracterizada pelo otimismo, mas -paradoxalmente- não tem fim.
Fante, assim como seu contemporâneo William Saroyan (1908-1981), é o escritor que melhor traduziu o universo dos imigrantes que, exibindo suas gravatas roídas por camundongos e seu inglês atravessado, infestaram as ruas das cidades americanas no início do século 20. Saroyan, armênio, registrou em "O Jovem Audaz no Trapézio Voador" (1934) e "A Comédia Humana" (1942), entre outros, a tragédia do lumpesinato através de seu filtro poético e melancólico.
Ambos escreveram e publicaram seus textos iniciais imediatamente após a grande recessão. O primeiro volume de contos de Fante, "Dago Red" (1940), compõe grande parte de "O Vinho da Juventude", que ainda reúne outros relatos publicados esparsamente em revistas como "The American Mercury", onde iniciou sua carreira em 1932. De acordo com o tradutor Roberto Muggiati, a expressão "dago" é a maneira pejorativa de tratamento aos imigrantes italianos (equivalente ao nosso carcamano).
Distribuídos em ordem cronológica, os contos narram os primeiros anos de vida de Jimmy Toscana e de sua família numa cidadezinha do Colorado ao norte de Denver. Alter ego de Fante, é quase ilógico que Jimmy não se chame Arturo Bandini, sua variação mais famosa graças ao ciclo de quatro romances dedicados ao personagem, consagrado com "Espere a Primavera, Bandini" (1938) e "Pergunte ao Pó" (1939). Narrativas autobiográficas estão no cerne da obra de Fante, cuja vida (a infância em Boulder, a formação católica numa escola jesuíta, a carreira de roteirista em Los Angeles e os consequentes fracassos durante o pós-Guerra) mantém paralelos com as vidas de Toscana e Bandini.
O núcleo familiar formado pelo pai, o pedreiro Guido, Maria, a mãe carola e bondosa, e os três irmãos mais novos, compõe o cenário dessas histórias.
Assim, é possível testemunhar desde as traquinagens do garoto Jimmy às misérias cotidianas de família pobre. Jimmy, ao envergonhar-se de suas origens, acaba atribuindo ao fato de ser italiano a causa de sua pobreza. Na escola, finge que descende de franceses.
A megalomania de Bandini já existe em Jimmy, entretanto, que se considera o melhor arremessador de seu time e do estado, enquanto Bandini se considerará o melhor escritor do mundo (apesar de ser um lavador de pratos). As histórias de Fante parecem simples, mas não se deixe enganar. "O Vinho da Juventude" (assim como sua obra posterior) fixa de forma lírica e direta as controvérsias do comportamento humano com suas nuances. E não há nada mais complexo do que isso.
JOCA REINERS TERRON é autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).


O VINHO DA JUVENTUDE

Autor: John Fante
Tradução: Roberto Muggiati
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 42,00 (336 págs.)
Avaliação: ótimo




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