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LIVROS
Crítica/"O Vinho da Juventude"
Simplicidade é apenas verniz em contos de John Fante
Em narrativas autobiográficas, americano retrata universo dos imigrantes
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Existe uma linhagem na
literatura norte-americana que pode ser rastreada desde Henry D. Thoreau
(1817-1862) e Walt Whitman
(1819-1892), passando por
John Fante (1909-1983), o autor de "O Vinho da Juventude",
antologia de contos ora reeditada, e culminando em David
Foster Wallace (1962-2008).
Não se trata, é evidente, de
"culminar" coisa alguma, pois é
impossível que tão poderosa
corrente de ternura pela humanidade cesse algum dia. Essa
tradição alimenta e multiplica
novos representantes, a exemplo do próprio Wallace. Não é
caracterizada pelo otimismo,
mas -paradoxalmente- não
tem fim.
Fante, assim como seu contemporâneo William Saroyan
(1908-1981), é o escritor que
melhor traduziu o universo dos
imigrantes que, exibindo suas
gravatas roídas por camundongos e seu inglês atravessado, infestaram as ruas das cidades
americanas no início do século
20. Saroyan, armênio, registrou
em "O Jovem Audaz no Trapézio Voador" (1934) e "A Comédia Humana" (1942), entre outros, a tragédia do lumpesinato
através de seu filtro poético e
melancólico.
Ambos escreveram e publicaram seus textos iniciais imediatamente após a grande recessão. O primeiro volume de
contos de Fante, "Dago Red"
(1940), compõe grande parte de
"O Vinho da Juventude", que
ainda reúne outros relatos publicados esparsamente em revistas como "The American
Mercury", onde iniciou sua carreira em 1932. De acordo com o
tradutor Roberto Muggiati, a
expressão "dago" é a maneira
pejorativa de tratamento aos
imigrantes italianos (equivalente ao nosso carcamano).
Distribuídos em ordem cronológica, os contos narram os
primeiros anos de vida de
Jimmy Toscana e de sua família numa cidadezinha do Colorado ao norte de Denver. Alter
ego de Fante, é quase ilógico
que Jimmy não se chame Arturo Bandini, sua variação mais
famosa graças ao ciclo de quatro romances dedicados ao personagem, consagrado com "Espere a Primavera, Bandini"
(1938) e "Pergunte ao Pó"
(1939). Narrativas autobiográficas estão no cerne da obra de
Fante, cuja vida (a infância em
Boulder, a formação católica
numa escola jesuíta, a carreira
de roteirista em Los Angeles e
os consequentes fracassos durante o pós-Guerra) mantém
paralelos com as vidas de Toscana e Bandini.
O núcleo familiar formado
pelo pai, o pedreiro Guido, Maria, a mãe carola e bondosa, e os
três irmãos mais novos, compõe o cenário dessas histórias.
Assim, é possível testemunhar
desde as traquinagens do garoto Jimmy às misérias cotidianas de família pobre. Jimmy, ao
envergonhar-se de suas origens, acaba atribuindo ao fato
de ser italiano a causa de sua
pobreza. Na escola, finge que
descende de franceses.
A megalomania de Bandini já
existe em Jimmy, entretanto,
que se considera o melhor arremessador de seu time e do estado, enquanto Bandini se considerará o melhor escritor do
mundo (apesar de ser um lavador de pratos). As histórias de
Fante parecem simples, mas
não se deixe enganar. "O Vinho
da Juventude" (assim como sua
obra posterior) fixa de forma lírica e direta as controvérsias do
comportamento humano com
suas nuances. E não há nada
mais complexo do que isso.
JOCA REINERS TERRON é autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).
O VINHO DA JUVENTUDE
Autor: John Fante
Tradução: Roberto Muggiati
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 42,00 (336 págs.)
Avaliação: ótimo
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