São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Jornalista começou como datilógrafo

Em seu primeiro emprego, Edney Silvestre batia à máquina títulos de eleitores no TRE de Valença, onde nasceu

No início da carreira, ele foi preso pela ditadura militar, tomado como o suposto pseudônimo do editor Ênio da Silveira

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se o Edney Silvestre se transformar de fato num grandissíssimo escritor, será mais ou menos como aquele pintor extraordinário que começou a carreira vendendo lata de tinta numa casa de material de construção. Ou o excepcional tenor que surgiu primeiro anunciando na praia os biscoitos Globo.
Edney despontou para as letras como alguém cheio de dedos: no Tribunal Regional Eleitoral de Valença (RJ), sua cidade natal, batia à máquina os títulos de eleitores. Não era bico, mas profissão -datilógrafo, a primeira a constar na carteira de trabalho.
De família simples, sua mãe trabalhou como tecelã e o pai tinha sido funcionário da Central do Brasil, até abrir um armazém, onde vendia "de víveres a tamancos".
Talvez por se chamarem Maria e Joaquim, tenham labutado bastante na hora de batizar os filhos. Saiu assim: Edney, Edmond, Edmir, Edinil, Ederson e Edna.
Edney aprendeu a ler na biblioteca de Valença. Começou com "Os Três Porquinhos", partindo em seguida para Thomas Mann e Joseph Conrad.
Depois de familiarizar-se com o inglês nas sessões contínuas do cinema, passou à leitura da revista "Time".
Hoje fala também um pouco de francês e, "macarronicamente", o italiano.
Já no Rio de Janeiro, datilografava trabalhos escolares e fazia traduções de "livros de cowboy" -o que evoluiu para alguns títulos estrangeiros da então celebrada editora Civilização Brasileira.
Terminou preso pela ditadura, confundido com o editor Ênio da Silveira -que, de acordo com os militares, tentava se safar sob o pseudônimo do falso tradutor Edney Silvestre.

TELEVISÃO
Cooptado pela escrita, foi redator de publicidade, repórter de "O Cruzeiro" e "O Globo". Mandado a Nova York como correspondente do jornal carioca, trocou o impresso pela televisão em meados dos anos 1980.
Dividia a redação com o estúdio improvisado onde Paulo Francis gravava seus comentários, não sem antes emitir duas dúzias de palavrões.
Uma vez, sua mãe ligou de Valença para elogiar: "Estava ótima a reportagem de ontem". Edney estranhou o inesperado interesse de dona Maria pelo assunto da clonagem humana.
"Não, Edney", explicou ela, "estou falando da sua gravata, estava ótima".
Sem a gravata, Edney tem o pescoço grande e rosado, além de olhos ligeiramente para fora, uns cílios inclinados para baixo.
Quando vai falar alguma coisa grave, ele franze a sobrancelha sobre o olho direito, ao mesmo tempo em que abre o esquerdo. Repetiu isso toda vez que falou da tragédia na região serrana do Rio, sua última cobertura.
Nela, ele reviveu algumas de suas tragédias pessoais. Como o incêndio que destruiu o pequeno armazém do seu Joaquim no final dos anos 1950.
Edney foi retirado das chamas de pijama, o pai saiu de robe, a mãe, de camisola.
Foi tudo o que restou do patrimônio da família.
(FRED MELO PAIVA)


Texto Anterior: Um escritor com o pé na lama
Próximo Texto: Frases
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.