São Paulo, sábado, 30 de março de 2002

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Historiador estuda uso político do episódio

DA REDAÇÃO

Leia abaixo os principais trechos da entrevista do pesquisador Francisco Doratioto, autor de "Maldita Guerra", à Folha. (SC)

Folha - Seu livro é uma resposta à leitura revisionista que se fez da Guerra do Paraguai nos anos 60?
Francisco Doratioto -
Não procurei fazer o trabalho com esse objetivo, mas a consequência acabou sendo essa. Quando estava na universidade, a interpretação dominante era a revisionista, e muito do que se publica em material didático hoje ainda é. Ao pesquisar fontes primárias sobre as relações entre Brasil e Paraguai no Império, fiquei surpreso, pois encontrei uma documentação que dizia exatamente o contrário do que eu aprendera e do que eu ensinava como professor.

Folha - O revisionismo foi prejudicial aos estudos sobre a Guerra do Paraguai?
Doratioto -
Não totalmente. O revisionismo teve seu mérito, pois durante muitos anos a história da guerra havia ficado esquecida, cristalizada numa visão personalizada do processo histórico. Mas seu mérito se esgota nesse resgate. A interpretação revisionista, na sua vertente antiimperialista dos anos 60 e 70, é uma leitura equivocada da teoria da dependência e está carregada da ideologia do contexto em que foi gerada.

Folha - Existe documentação inédita sobre o assunto?
Doratioto -
Inédita não, mas esquecida há muita. Comecei essa pesquisa porque tropecei numa carta do marquês [futuro duque" de Caxias de dezembro de 1868, logo depois da batalha de Itororó [Caxias venceu o Exército do Paraguai em uma série de batalhas naquele ano, chamada de "dezembrada", entre elas as de Itororó, Avaí e Lomas Valentinas].
Nessa carta, Caxias, que é um personagem que merecia ser recuperado e mais bem estudado, descreve para o ministro da Guerra o comportamento dos oficiais do Império. O texto explica por que durante tanto tempo Caxias demorou para fazer operações militares. Ele foi cauteloso por saber da baixa combatividade dos soldados brasileiros. Esse era um dos motivos que o levaram a colocar sempre o dobro de homens para combater os paraguaios.

Folha - O que você acha ter conseguido explicar melhor ao relativizar as interpretações existentes?
Doratioto -
Meu objetivo é recuperar as dimensões esquecidas da Guerra do Paraguai e explicar melhor sua origem. Há muito para ser revisto, como a redução que foi feita pela historiografia brasileira da importância do aliado argentino. Quem lê de forma desavisada o que foi escrito nos livros tradicionais tem a impressão de que o Brasil lutou sozinho.

Folha - E na Argentina, como a história da guerra tem sido escrita?
Doratioto -
Lá também houve interpretações feitas para serem utilizadas na disputa política. Boa parte da leitura tradicional da guerra foi feita por historiadores peronistas, que tinham interesse de retratar de forma positiva personagens históricos autoritários do rio da Prata, para justificar o autoritarismo de Perón. Nesse sentido, era mais interessante ressaltar a figura de Solano López do que a de Bartolomé Mitre. A imagem de Mitre que ficou é a do sujeito vinculado aos interesses estrangeiros e que se aliou ao inimigo tradicional da Argentina, o Brasil. O mesmo uso da imagem autoritária de Solano López foi feito pelo Paraguai sob o comando de Alfredo Stroessner (1954-89), onde ser antilopizta era considerado crime.



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