São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As duas faces do pagode

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Trinta anos atrás, ele denunciou a crescente diluição do samba, num dos discos mais inovadores daquela década. Agora, Tom Zé volta à carga em "Estudando o Pagode", seu novo CD. O alvo, na verdade, é o mesmo, mas o irreverente compositor baiano soa mais engajado e ferino do que nunca.
"Existem os que propagam o pagode como ele está, o estilo cafona e a vulgaridade. Não sou um deles", afirma, em um panfleto que distribuiu à imprensa. "O gosto médio está podre", dispara.
O projeto nasceu por acaso. Ao notar que o pagode tinha se tornado trilha sonora dominante das festas de seus vizinhos de classe média, no bairro de Perdizes (SP), Tom Zé decidiu se aprofundar no assunto. Para isso, emprestou do zelador do prédio discos dos pagodeiros Belo e Netinho.
"Reparei que os produtores ventilavam por todos os gêneros de samba, para disfarçar a diluição do pagode. Pensei: se eles fazem assim, também posso fazer alguma coisa", conta o compositor, que exibe 16 supostos pagodes de sua autoria, classificando-os em gêneros que inventou, como "pagode alienado", "pagó-denúncia" e "pagó-dueto".


No disco conceitual "Estudando o Pagode", artista analisa o gênero musical e reverencia o sexo feminino

Mas o militante Tom Zé não se limita à missão de dissecar e recriar a vertente degenerada do samba. Subintitulado "Na Opereta Segrega Mulher e Amor", o disco serve de veículo para uma denúncia inflamada, mas bem-humorada, da segregação que o homem tem imposto à mulher.
"Nasci mulher. Em casa eu era o fraco, apanhava no colégio", diz, explicando a origem de sua empatia pelas desventuras do sexo feminino. "O homem perdeu a possibilidade de a mulher ficar nua junto dele. A roupa é tirada, a transa acontece, mas aquela interseção que a mulher faz para levar o homem ao divino desapareceu. A mulher não tem mais confiança para abrir suas entranhas."
Quanto à idéia de utilizar um gênero teatral para discutir esse assunto, Tom Zé lembra que seu namoro com as artes cênicas é antigo. "Venho me aproximando disso. Meus discos são cada vez mais temáticos e contidos num assunto só." Mesmo assim, diz que os shows de lançamento do disco -de sexta a domingo, no Sesc Pinheiros (SP)- não serão muito teatrais. Para desempenhar a seu lado, no disco, os papéis dessa opereta, Tom convocou os cantores Suzana Salles, Luciana Mello, Zélia Duncan, Patrícia Marx, Edson Cordeiro e Jair Oliveira, que assina a produção e divide com ele os arranjos.
Já cantoras como Mônica Salmaso e Rebeca Matta não participam das gravações, mas foram homenageadas pelo compositor. "Quis trazê-las para junto de mim", justifica o compositor, orgulhoso por ter suas canções gravadas por essas intérpretes. "Eu, que nunca tinha sido gravado na minha vida, fui um dos artistas mais tocados no ano passado."

Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor de "O Jazz como Espetáculo", entre outros livros.

Texto Anterior: Crítica: Em novo CD, sambista vence sem golear
Próximo Texto: Tom Zé por Zeca
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.