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CARLOS HEITOR CONY
Redundância e chatice
A redundância dos formadores de opinião é vista em prognósticos que pouco variam
TENHO UM amigo, o Artur da
Távola, que durante anos
manteve uma coluna diária
sobre televisão, muito lida por sinal,
não era informativa, mas opinativa,
comentava o que hoje chamam de
"conteúdo", desprezando o dia-a-dia das fofocas, quem estava dando
para quem, quem ia dar para dar
quem etc.
Eu admirava a sua onisciência sobre as novelas em exibição, nunca
menos de três, nos vários canais das
TVs abertas de então. Tinha a impressão de que ele acompanhava todos os capítulos de todas elas.
Um dia, perguntei-lhe se ele assistia a uma e gravava as outras para assistir depois, quando tivesse tempo
para isso. Não, não tinha tempo,
além de jornalista, era político, chegou a senador. Mas explicou como
dava conta do recado. Em média,
uma vez por semana assistia a um
capítulo da novela tal e assim ficava
atualizado não apenas com as tramas mas com os desempenhos.
Do Távola e das novelas passo para mim mesmo e para a paisagem
geral do nosso tempo, que inclui
uma variedade espantosa de tramas
e desempenhos tanto no setor nacional como no internacional. Um
problema de saúde que se agravou
de repente impediu-me, durante
mais de três meses, de ler jornais e
revistas, ver noticiários da TV; fiquei
completamente por fora, embora
nunca tenha estado muito por dentro de nada, por falta de tempo e de
interesse.
Quando retornei à atividade, por
Júpiter!, nada havia mudado. O presidente da República era Lula tentando se reeleger. Três meses depois, era Lula já reeleito. A guerra civil no Iraque continuava, com Bush
mandando mais soldados para lá. Os
ministros, que antes pareciam provisórios, continuavam provisórios
até a semana passada. A violência
urbana, mortos e feridos, as balas
perdidas, as taxas do crescimento
nacional, o volume das exportações,
o papa repetindo o que a igreja diz há
20 séculos, os novos caminhos das
diversas bandas em atividade, mais
uma vitória da Beija-Flor no Carnaval, a polêmica sobre a necessidade
de penas mais severas para crimes
hediondos e os próprios crimes hediondos -tudo parecia o mesmo.
Lembrei lá em cima o Artur da Távola e lembro agora o finado Rubem
Braga, cronista maior de nossa imprensa. Ele passou uns meses fora
do Brasil e, quando voltou, a única
novidade que encontrou foi o cigarro Hollywood com filtro. Na minha
volta, nem isso encontrei; pelo contrário, encontrei menos cigarros
com ou sem filtro, eu próprio deixei
de fumar -o que pelo menos foi
uma novidade no plano pessoal.
Mesmo assim, por necessidade
profissional, voltei a ler jornais e a
ver noticiários, mesmo sabendo que
as coisas continuavam mais ou menos as mesmas. As mudanças são
pontuais, caras substituídas por outras, mas os discursos são os mesmos, os veículos da mídia acabam
redundantes, não por gosto ou incapacidade técnica, mas para serem
fiéis ao que está acontecendo, que na
realidade é a mesma coisa que aconteceu antes e acontecerá depois.
Se nas novelas há sempre o filho
que não é filho daquela mãe, se há o
pai que não sabe ser o pai, se há herança para ser disputada e segredos
que não serão revelados, na vida real
as coisas podem não ser iguais, mas
se repetem com uma monotonia
que, além da redundância, caem na
chatice institucional.
De várias formas e estilos, lê-se
que o Brasil não tem jeito, somente
aqui acontecem essas coisas, a classe
política é despreparada, a corrupção
é premiada e esquecida, o Caetano
Veloso acha isso, um dossiê está sendo preparado para botar o Maluf outra vez na cadeia, Romário está em
busca de seu milésimo gol.
A redundância se estende aos formadores de opinião, que se manifesta em análises e prognósticos que
pouco variam. Outro dia, um aluno
de comunicação colocou um grave e
impossível problema para mim. Se
eu fosse dono de um jornal e tivesse
de dar uma manchete na capa, qual
seria esta manchete? A cura do câncer? A paz universal? Elvis Presley
não morreu? Foram encontrados os
ossos de Dana de Teffé?
Meditei bastante antes de dar a
resposta. A hipótese - ser dono de
um jornal- era mais do que improvável. Mas o desafio fora lançado e
eu saí com esta novidade: "O Titanic
acaba de afundar".
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