São Paulo, segunda-feira, 30 de março de 2009
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Memórias de chumbo
"Cidadão Boilesen", exibido hoje no É Tudo Verdade, conta
a história de empresário envolvido com
a ditadura, que
foi morto pela guerrilha
SYLVIA COLOMBO DA REPORTAGEM LOCAL "Até hoje sofro e sofrerei sempre as mortes que vivi, as mortes que eu morri, a morte que eu não morri e as mortes que eu cometi." O impactante relato é do ex-guerrilheiro Carlos Eugênio Paz, no documentário "Cidadão Boilesen", de Chaim Litewski, exibido hoje no festival É Tudo Verdade. Paz comandou a ação de extremistas de esquerda que resultou na morte do empresário dinamarquês naturalizado brasileiro Henning Albert Boilesen, no dia 15 de abril de 1971, no bairro dos Jardins, em SP. O então presidente da Ultragás era acusado de financiar as ações e participar das sessões de tortura da Operação Bandeirante (Oban), criada pelo Exército para reprimir grupos esquerdistas que resistiam à ditadura militar (1964-1985). Bastante ponderada, a produção alcança a proeza de retratar esse personagem peculiar no contexto de tensão social e política da época. Expõe, com documentos e depoimentos, evidências de que a sociedade civil, por meio do empresariado, apoiou o regime e financiou a repressão. Litewski, 54, conta que o caso chamou sua atenção desde a época em que ocorreu. Recolheu obituários, notícias de jornal e deu início à longa pesquisa que resultou nesse filme. "Era um período truculento, eu tinha simpatia pela resistência contra os militares. Mas daí a apoiar a luta armada era um passo de gigante. A grande repercussão do assassinato na mídia, a comemoração de esquerdistas pela morte dele e aspectos de sua personalidade fizeram com que me interessasse pelo caso", diz o diretor. Boilesen é mostrado como um sujeito atlético, bem-humorado, apaixonado por futebol e pelo Brasil e que nutria ódio aos comunistas. Segundo informações recolhidas, teria sido o principal mediador dos contatos entre militares e empresários que deram dinheiro e apoio logístico a perseguições. Além disso, sinais e declarações indicam que Boilesen apreciava acompanhar interrogatórios. "Era um sádico", diz o historiador Jacob Gorender. Ainda de acordo com as fontes investigadas, ele mandara importar um aparelho que aplicava choques elétricos em escala crescente, conhecido como "pianola", usado na tortura. "Como a gente" Do lado de seus defensores, o coronel Erasmo Dias declara: "Ele pensava como a gente", e dá detalhes dos contatos entre Boilesen e os militares. Conta que tinham em comum o fato de preocuparem-se com a ordem na sociedade e com o combate àqueles que tomavam como responsáveis pelos distúrbios. "Seu assassinato foi algo cruel e sanguinário", diz. O filho do empresário também testemunha, negando o envolvimento do pai com a Operação Bandeirante. À Folha Carlos Eugênio Paz, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional, justificou a execução de Boilesen. "Cada tempo tem suas leis. Havia uma guerra e ele era um combatente que escolheu um lado. Ou seja, sabia que estava sujeito a uma sanção." Hoje, o professor de música, anistiado, diz que, se a conjuntura ditatorial daquele tempo se repetisse, apoiaria o mesmo tipo de engajamento contra o governo. Também o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é ouvido. E diz: "Ninguém de boa formação vai ficar feliz porque uma pessoa foi assassinada. Mas, naquele caso, era um a menos. Um do outro lado". Litewski, que vive em Nova York, diz almejar, com o filme, incentivar a discussão sobre o apoio civil à ditadura. CIDADÃO BOILESEN Direção: Chaim Litewski Quando: hoje, às 21h, no Cinesesc Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Crítica/ "Domingos": Diretora capta realidade e ficção do mundo de Oliveira Índice |
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