São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Moral do filme está no modo de narrar

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Muito já se falou sobre "O Invasor" e há muito ainda por falar. Por inúmeros motivos, trata-se de um marco do cinema brasileiro contemporâneo.
São dois os aspectos mais comentados e discutidos: um é sua "moral", sua posição diante da fratura social que ele retrata; o outro é sua estratégia narrativa, o modo como transita de um personagem a outro, alternando pontos de vista. As duas coisas estão interligadas. No fundo, são uma só. A ética do filme está, acima de tudo, em sua forma de narrar.
O foco narrativo (ou ponto de vista) acompanha basicamente os três personagens principais: os sócios Ivan (Marco Ricca) e Giba (Alexandre Borges) e o matador Anísio (Paulo Miklos), que eles contratam para eliminar seu terceiro e incômodo sócio.
Grosso modo, a ação pode ser reduzida a esse movimento geométrico: desfaz-se um triângulo (os três sócios de uma construtora) para a formação de outro (os dois sobreviventes e o matador/ invasor que passa a lhes infernizar a vida). A câmera ora acompanha Anísio -por exemplo, quando ele fala com peões de uma obra, ou quando leva a burguesinha Marina para um "tour" na periferia-, ora Giba -conversando com Norberto ou com Claudia (Malu Mader)-, ora Ivan.
Mas é com Ivan que a identificação é mais profunda. É só aos pensamentos mais íntimos dele que o espectador tem acesso.
Isso não é feito de modo ostensivo, com a velha locução em "off" dos pensamentos do personagem, mas de maneira muito mais sutil e cinematográfica.
Em brevíssimos flashes, vemos o que se passa por sua cabeça: seja quando imagina o sócio traído sendo abordado pelo assassino, seja quando antevê a imagem da sua mulher sozinha na cama, durante a cena no bordel.
Essa opção pelo ponto de vista de Ivan tem várias razões: 1) a novela de Marçal Aquino que inspirou o filme é narrada em primeira pessoa por ele; 2) por ser aquele que hesita e entra em crise, é o personagem mais dramático, ou melhor, trágico, uma vez que nada pode contra o destino desencadeado; 3) é o personagem mais próximo, social e culturalmente, tanto dos realizadores do filme como do espectador de classe média, que também se sente ameaçado pela invasão da periferia.
Pelos olhos de Ivan, o espectador, por mais que fique fascinado pelo carisma de Anísio/Miklos, é convocado a refletir sobre o drama social e político que faz o crime se aburguesar e o capital se tornar criminoso. Não é pouco.


Avaliação:     



Texto Anterior: Cinema: "O Invasor" leva sete troféus em Recife
Próximo Texto: TV/Crítica: Busca pelo sucesso atropela talento musical
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.