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CRÍTICA
Moral do filme está no modo de narrar
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Muito já se falou sobre "O
Invasor" e há muito ainda
por falar. Por inúmeros motivos,
trata-se de um marco do cinema
brasileiro contemporâneo.
São dois os aspectos mais comentados e discutidos: um é sua
"moral", sua posição diante da
fratura social que ele retrata; o outro é sua estratégia narrativa, o
modo como transita de um personagem a outro, alternando pontos de vista. As duas coisas estão
interligadas. No fundo, são uma
só. A ética do filme está, acima de
tudo, em sua forma de narrar.
O foco narrativo (ou ponto de
vista) acompanha basicamente os
três personagens principais: os
sócios Ivan (Marco Ricca) e Giba
(Alexandre Borges) e o matador
Anísio (Paulo Miklos), que eles
contratam para eliminar seu terceiro e incômodo sócio.
Grosso modo, a ação pode ser
reduzida a esse movimento geométrico: desfaz-se um triângulo
(os três sócios de uma construtora) para a formação de outro (os
dois sobreviventes e o matador/
invasor que passa a lhes infernizar
a vida). A câmera ora acompanha
Anísio -por exemplo, quando
ele fala com peões de uma obra,
ou quando leva a burguesinha
Marina para um "tour" na periferia-, ora Giba -conversando
com Norberto ou com Claudia
(Malu Mader)-, ora Ivan.
Mas é com Ivan que a identificação é mais profunda. É só aos
pensamentos mais íntimos dele
que o espectador tem acesso.
Isso não é feito de modo ostensivo, com a velha locução em "off"
dos pensamentos do personagem, mas de maneira muito mais
sutil e cinematográfica.
Em brevíssimos flashes, vemos
o que se passa por sua cabeça: seja
quando imagina o sócio traído
sendo abordado pelo assassino,
seja quando antevê a imagem da
sua mulher sozinha na cama, durante a cena no bordel.
Essa opção pelo ponto de vista
de Ivan tem várias razões:
1) a novela de Marçal Aquino que
inspirou o filme é narrada em primeira pessoa por ele;
2) por ser aquele que hesita e entra em crise, é o personagem mais
dramático, ou melhor, trágico,
uma vez que nada pode contra o
destino desencadeado;
3) é o personagem mais próximo,
social e culturalmente, tanto dos
realizadores do filme como do espectador de classe média, que
também se sente ameaçado pela
invasão da periferia.
Pelos olhos de Ivan, o espectador, por mais que fique fascinado
pelo carisma de Anísio/Miklos, é
convocado a refletir sobre o drama social e político que faz o crime se aburguesar e o capital se
tornar criminoso. Não é pouco.
Avaliação: 
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