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ROMANCE
Escritor diz que não se candidataria a uma vaga na Academia Brasileira de Letras
"Não me vejo pedindo voto para nada", diz Jô Soares
CRÍTICO DA FOLHA
Desancar políticos, desnudar
embaixatrizes e soprar o pó dos
acadêmicos é o "métier" de Jô
Soares. Escrito em cinco meses,
"Assassinatos..." reafirma o pendor do ficcionista para a pesquisa
histórica e confirma seu talento
na criação de tipos como o poeta
Euzébio Fernandes, de bafio mortal; e a vamp Manuela Pontes-Craveiro, cujo andar lembra "a leveza dos felinos antes do bote".
Todos eles personagens maiores,
muito maiores, do que a vida.
Folha - Como surgiu a idéia para
"Assassinatos..."?
Jô Soares - Foi num estalo, ao ler
uma notícia sobre alguém que tinha morrido num banquete. Refleti: "Será que foi envenenado?".
Imagine que haja um grupo de
pessoas que morresse envenenado, num banquete desses. Na hora, pensei: "O chá da academia!".
Folha - Por que escolheu a data
de 1924 para situar a ação?
Soares - É o governo de Arthur
Bernardes, que, para mim, foi injustiçado, pois quis fazer reformas progressistas e teve de governar 95% do tempo sob estado de
sítio. Houve também o fato de o
cassino do Copacabana Palace ter
sido inaugurado naquele ano.
Folha - O sr. planeja com rigor o
enredo dos seus livros?
Soares - Só consigo começar a
escrever quando sei o final. Antes
de escrever, crio um roteiro, encadeio a história em cenas. Claro
que volta e meia fujo desse roteiro. Há personagens que surgem
de repente. Por alguns nos apaixonamos. Outros desprezamos.
Folha - Sentimos que o sr. tem um
certo carinho pelo assassino.
Soares - Não posso negar [risos].
Folha - Em pré-venda pela internet seu livro já ocupa o terceiro lugar na lista dos mais vendidos.
Soares - O que mais massageia o
ego do autor é ver alguém lendo a
sua obra. Aqui o livro fica muito
vinculado à minha imagem.
Quando "O Xangô..." foi lançado
na França, vi pessoas que não me
conheciam comprando meu livro, o que me deixou comovido.
A impressão que se tem é que o livro virou um filho e caminha só.
Folha - O sr. é muito zeloso com
esses seus filhos?
Soares - Claro! Aí a gente começa a fazer maluquices, como ir à
Barnes & Nobles, em Nova York,
e tirar o livro da estante, para botá-lo mais para frente... Coisa de
criança.
Folha - O sr. é um dos autores de
"Humor nos Tempos do Collor".
"Assassinatos..." é o humor nos
tempos do Lula?
Soares - [risos] O humor nos
tempos do Lula ainda não foi escrito, embora eu ache que ele
mesmo, às vezes, se encarregue de
colaborar.
Folha - "Assassinatos..." e "O
Xangô..." mesclam romance policial, humor e romance histórico.
Não tem receio de ser acusado de
repetir uma fórmula?
Soares - Não. Primeiro porque
se trata de uma época diferente.
Além disso, há vários escritores
que fazem exatamente isso, ao
misturar ficção e história. Só escrevo sobre aquilo que gosto. Não
sei escrever sobre encomenda.
Folha - O gênero policial é injustiçado?
Soares - Hoje em dia, não, embora talvez seja considerado um
gênero à margem. Foi bom, porque não ficou sob o crivo literário,
o que deu aos autores uma liberdade muito grande.
Folha - E o humor?
Soares - Em todas as grandes
obras percebo uma visão de humor. Em Balzac, em Dostoiévski.
Mas só existe um país cujo maior
escritor é também humorista, o
Cervantes. Por isso, na Espanha,
dá-se importância ao humor.
Folha - Como andam suas relações com a ABL?
Soares - O lançamento no Rio
será na Academia, por isso mandei o livro para os acadêmicos. Ao
fazer as dedicatórias, percebi que
conheço muitos. Dos 40, tive contato com 28, através do programa.
Folha - Não pretende candidatar-se a uma vaga, como seu personagem, que entra para a Academia
com um livro sobre assassinatos na
Academia?
Soares - Não, aí ficaria uma meta-meta-metalinguagem. Teria de
fazer a campanha, a política da
campanha, que não me motiva.
Folha - Mas o sr. conhece tanta
gente lá.
Soares - Há uma grande diferença entre conhecer e reconhecer.
Não me vejo pedindo voto para
nada. É como na Academia Francesa, na qual a brasileira se espelha, quando, na realidade, espera-se que as honrarias sejam mais
oferecidas do que batalhadas.
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