São Paulo, sábado, 30 de abril de 2005

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ROMANCE

Escritor diz que não se candidataria a uma vaga na Academia Brasileira de Letras

"Não me vejo pedindo voto para nada", diz Jô Soares

CRÍTICO DA FOLHA

Desancar políticos, desnudar embaixatrizes e soprar o pó dos acadêmicos é o "métier" de Jô Soares. Escrito em cinco meses, "Assassinatos..." reafirma o pendor do ficcionista para a pesquisa histórica e confirma seu talento na criação de tipos como o poeta Euzébio Fernandes, de bafio mortal; e a vamp Manuela Pontes-Craveiro, cujo andar lembra "a leveza dos felinos antes do bote". Todos eles personagens maiores, muito maiores, do que a vida.
 

Folha - Como surgiu a idéia para "Assassinatos..."?
Jô Soares -
Foi num estalo, ao ler uma notícia sobre alguém que tinha morrido num banquete. Refleti: "Será que foi envenenado?". Imagine que haja um grupo de pessoas que morresse envenenado, num banquete desses. Na hora, pensei: "O chá da academia!".

Folha - Por que escolheu a data de 1924 para situar a ação?
Soares -
É o governo de Arthur Bernardes, que, para mim, foi injustiçado, pois quis fazer reformas progressistas e teve de governar 95% do tempo sob estado de sítio. Houve também o fato de o cassino do Copacabana Palace ter sido inaugurado naquele ano.

Folha - O sr. planeja com rigor o enredo dos seus livros?
Soares -
Só consigo começar a escrever quando sei o final. Antes de escrever, crio um roteiro, encadeio a história em cenas. Claro que volta e meia fujo desse roteiro. Há personagens que surgem de repente. Por alguns nos apaixonamos. Outros desprezamos.

Folha - Sentimos que o sr. tem um certo carinho pelo assassino.
Soares -
Não posso negar [risos].

Folha - Em pré-venda pela internet seu livro já ocupa o terceiro lugar na lista dos mais vendidos.
Soares -
O que mais massageia o ego do autor é ver alguém lendo a sua obra. Aqui o livro fica muito vinculado à minha imagem. Quando "O Xangô..." foi lançado na França, vi pessoas que não me conheciam comprando meu livro, o que me deixou comovido. A impressão que se tem é que o livro virou um filho e caminha só.

Folha - O sr. é muito zeloso com esses seus filhos?
Soares -
Claro! Aí a gente começa a fazer maluquices, como ir à Barnes & Nobles, em Nova York, e tirar o livro da estante, para botá-lo mais para frente... Coisa de criança.

Folha - O sr. é um dos autores de "Humor nos Tempos do Collor". "Assassinatos..." é o humor nos tempos do Lula?
Soares -
[risos] O humor nos tempos do Lula ainda não foi escrito, embora eu ache que ele mesmo, às vezes, se encarregue de colaborar.

Folha - "Assassinatos..." e "O Xangô..." mesclam romance policial, humor e romance histórico. Não tem receio de ser acusado de repetir uma fórmula?
Soares -
Não. Primeiro porque se trata de uma época diferente. Além disso, há vários escritores que fazem exatamente isso, ao misturar ficção e história. Só escrevo sobre aquilo que gosto. Não sei escrever sobre encomenda.

Folha - O gênero policial é injustiçado?
Soares -
Hoje em dia, não, embora talvez seja considerado um gênero à margem. Foi bom, porque não ficou sob o crivo literário, o que deu aos autores uma liberdade muito grande.

Folha - E o humor?
Soares -
Em todas as grandes obras percebo uma visão de humor. Em Balzac, em Dostoiévski. Mas só existe um país cujo maior escritor é também humorista, o Cervantes. Por isso, na Espanha, dá-se importância ao humor.

Folha - Como andam suas relações com a ABL?
Soares -
O lançamento no Rio será na Academia, por isso mandei o livro para os acadêmicos. Ao fazer as dedicatórias, percebi que conheço muitos. Dos 40, tive contato com 28, através do programa.

Folha - Não pretende candidatar-se a uma vaga, como seu personagem, que entra para a Academia com um livro sobre assassinatos na Academia?
Soares -
Não, aí ficaria uma meta-meta-metalinguagem. Teria de fazer a campanha, a política da campanha, que não me motiva.

Folha - Mas o sr. conhece tanta gente lá.
Soares -
Há uma grande diferença entre conhecer e reconhecer. Não me vejo pedindo voto para nada. É como na Academia Francesa, na qual a brasileira se espelha, quando, na realidade, espera-se que as honrarias sejam mais oferecidas do que batalhadas.


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