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CINEMA
Diretor Henrique Goldman planeja produção com a BBC sobre mineiro
Morte de Jean Charles inspira filme na Inglaterra
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Numa rua escondida de Londres, duas moças sentadas na calçada falam em português. Ao
aproximar-se, o cineasta Henrique Goldman, 45, percebe que
elas vendem quentinhas com pão
de queijo, guaraná e cafezinho. Às
quartas e sábados, feijoada.
Era a esse mundo que pertencia
Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia inglesa em 2005:
brasileiros que vivem em Londres
e trabalham como faxineiros, pedreiros e motoboys, e sobre quem
Goldman -diretor de documentários para a TV européia, além
do longa "Princesa", de 2001, sobre um travesti brasileiro na Itália- planeja seu próximo filme.
"Ele [Jean] tinha a bandeira da
Inglaterra no carro e adorava a
polícia inglesa. Era eletricista, falava inglês muito mal, como praticamente todos os imigrantes
brasileiros, e gostava de música
sertaneja: Chitãozinho e Xororó,
Bruno e Marrone", diz o cineasta
radicado em Londres, que saiu do
Brasil aos 19 anos.
É em função da singularidade
de Jean Charles e, mais amplamente, da comunidade de brasileiros em Londres que cresce a cada ano, mas que não se mistura à
vida cotidiana da cidade, que se
desencadeou um "braço-de-ferro" entre Goldman e a provável
produtora do filme, a BBC -ainda não há previsão de início das
gravações.
"Eles preferem que eu mostre o
lado da polícia e sua hipocrisia
[como a tentativa inicial de negar
sua responsabilidade diante dos
fatos]", afirma o diretor (leia o
texto abaixo).
"Todos aqui adoram os policiais ingleses, que não usam armas, são educadíssimos e o próprio Jean os admirava. É uma hipocrisia tipicamente inglesa, uma
necessidade de "bonzinhice" e de
suposta integridade. Mas existe
um lado hipócrita também por
parte dos brasileiros, que se escandalizam como se não conhecessem coisas assim", afirma.
Outsider
Para Goldman, posições aparentemente altruístas, como a
reação da população local à participação da Inglaterra na Guerra
do Iraque, "escondem uma culpa
colonialista". "As pessoas fazem
de conta que são contra a guerra.
Mas a questão é: até que ponto você é mesmo contra a guerra? Se
fosse declarada uma guerra contra o Brasil, eu iria embora daqui.
Mas é contra o Iraque! Então todos fingem que se assustam, mas
não fazem nada."
Privilegiar a vida de Jean Charles, mais do que estabelecer uma
crítica institucional, traduz a linguagem de Goldman, que se define como um outsider, judeu no
Brasil e brasileiro na Inglaterra,
interessado pelos demais outsiders: quem é excluído, quem se
exclui por opção ou ambos.
À pergunta sobre se o judeu não
seria um outsider privilegiado,
Goldman -judeu de um Bom
Retiro que para ele é como uma
"little Italy", um microcosmo que
ele diz reencontrar em todas as
partes do mundo- responde que
"o "outsiderismo" é algo tão arraigado, tão atávico no judaísmo,
que o sujeito nem precisa ser excluído para ser um outsider".
Talvez por isso ele considere estar fazendo sempre o mesmo filme, uma história de alguém que
vê o mundo pela tangente. Para os
brasileiros, principalmente para
aqueles que vão a Londres em
busca de um sucesso duvidoso, a
tangente é certamente nossa ventura e também nossa desventura.
Jean Charles é prova disso.
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