São Paulo, sábado, 30 de abril de 2011

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Borges além dos livros

Biógrafo Edwin Williamson desvenda trajetória política e amorosa do maior escritor argentino do século 20 em lançamento que expõe o forte vínculo entre vida e obra

SYLVIA COLOMBO
DE SÃO PAULO

Do argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) tem-se a ideia de um autor alienado, imerso numa biblioteca e pouco afeito ao sexo oposto. Não é bem assim, mostra o inglês Edwin Williamson, 61, no ensaio biográfico "Borges - Uma Vida".
Numa passagem, ele mostra um Borges que, aos 22 anos, sai às ruas de Buenos Aires com baldes de cola para grudar "Prisma", uma de suas primeiras publicações, nos muros da cidade.
Ansioso por se firmar no círculo das vanguardas, engajado nas questões políticas, corroendo-se por amor. É assim que Williamson o retrata no volume de mais de 600 páginas.
Existem muitas biografias do maior autor argentino do século 20, mas nenhuma dedicou-se a explicar o quão entranhadas foram vida e obra do escritor.
O título traz informações novas sobre sua vida na Suíça, na Espanha e na Argentina. Em cartas a amigos e em textos, indica leituras e conta passagens da vida familiar e afetiva, além de como flutuou seu estado de espírito. Leia trechos da entrevista que Williamson deu à Folha por e-mail.

 


Folha - Você expõe a influência que os antepassados "criollos" [descendentes de europeus enraizados na América] e europeus tiveram em Borges. Mas ele parece ter vivido em dúvida entre as tradições. A dicotomia se resolveu? Afinal, a ideia de um intelectual europeizado é a que prevaleceu.
Edwin Williamson -
Sua mãe era filha de uma família "criolla" cuja fama vinha das façanhas de um herói da Batalha de Junín [uma das lutas da independência]. O pai foi criado de modo severo pela mãe inglesa.
Leonor era católica e burguesa, Jorge era anarquista e mulherengo. A divisão é um conflito entre a espada da honra (os antepassados heroicos) e o punhal da transgressão (o anarquismo). O projeto vital de Borges era superar esse conflito.

E como isso se acomodou?
No fim, Borges encontrou certa felicidade no amor, mas viu a pátria sofrer uma crise econômica, a ditadura e a Guerra das Malvinas. Daí vem a radicalização política e a volta à Suíça, onde passou a infância. No poema "Los Conjurados" (1985), indica esse país como modelo de convivência.
A palavra "conjurados" foi usada em um discurso em que disse que os "criollos" deveriam formar parte dos "conjurados" para criar um "homem novo", uma identidade argentina composta por pessoas vindas de várias nações. Em 1985, surge a ideia de morrer em Genebra, tentativa de dotar a vida de significado político, não pessoal.

Você relata que, depois de ler Joyce, Borges teria querido escrever um épico que fizesse uma síntese de Buenos Aires. Por que o projeto não vingou?
Quando voltou à Argentina, Borges tentou implantar a vanguarda espanhola [o ultraísmo] em seu país. Porém, nota-se que mergulhou mais na cidade, e o fruto disso é "Fervor de Buenos Aires" (1923).
Seu projeto era conceber uma mitologia baseada na cultura popular dos bairros periféricos. Um romance épico aos moldes do que Joyce fizera com Dublin [Irlanda]. A razão do fracasso é dupla. A decepção amorosa [o término do relacionamento com Norah Lange], e o golpe que depõe Hipólito Irigoyen [líder radical que Borges admirava].

Há um estereótipo de Borges como alguém que viveu afastado da política e, quando se aproximou, teve uma posição conservadora. Por que isso não é de todo correto?
Borges sempre foi um intelectual público. Ainda que os temas literários não fossem políticos, sabia da responsabilidade de um escritor diante da história de sua pátria. Teve simpatia pelos bolcheviques na juventude e morreu pacifista. Afiliou-se ao partido radical [opositor do peronismo] e lutou contra o fascismo.
Foi contra os peronistas e, por isso, apoiou os militares. Mas o fez porque acreditava que eles levariam o país à democracia. Seu apoio ao general Videla lhe custou o Prêmio Nobel. Depois, reconheceu o equívoco, mas nunca pôde desfazer-se da reputação que ganhou nos anos 70.

Outro estereótipo é o de que Borges não se interessava por sexo. Qual a importância do triângulo entre ele e [os também escritores] Oliverio Girondo e Norah Lange?
Incomodava-lhe a reputação de escritor frígido e cerebral. A sexualidade e o amor oferecem uma chave para compreender sua obra. Lange foi a grande musa de Borges até ela se apaixonar por Oliverio Girondo. Há alusões a ela em "O Aleph", "O Congresso" e "Ulrica".
A perda da mulher amada foi um desastre e o mudou. Passou a rechaçar a expressividade do "romântico" e optou pela reticência do "clássico", para quem a experiência vital não é revelada ao leitor.

BORGES - UMA VIDA

AUTOR Edwin Williamson
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Pedro Maia Soares
QUANTO R$ 68 (657 págs.)


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