São Paulo, Sexta-feira, 30 de Abril de 1999
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"Staramago" delicia platéia com pregação sobre o homem

Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
O escritor português José Saramago ao lado do músico Chico Buarque, em evento no Sesc Vila Mariana


da Reportagem Local

Havia cerca de 700 pessoas no teatro do Sesc Vila Mariana anteontem à noite para ouvir o Nobel de Literatura José Saramago, e, pelo menos à primeira vista, só uma delas dormia durante o longo e pausado discurso do escritor português. Mas dormia sorrindo.
A mulher que cochilava, na terceira fila do teatro, com o sorriso pregado no rosto, era o retrato adormecido da adoração que Saramago -agora "Staramago"- vem despertando no país.
Havia desde jovens até senhores e senhoras de idade avançada, que aplaudiram de pé a leitura cênica de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", dirigida por José Possi Neto, com os atores Tuca Andrada, Júlia Catelli, Sérgio Mamberti e Odilon Wagner.
Chico Buarque, que leu a crônica "A Velha Senhora dos Canários", é claro, também causou sensação. Quando ambos subiram ao palco, a platéia quase veio abaixo.
Pouco antes, Saramago e Chico haviam acompanhado a leitura do "Evangelho" também entre risos. Nos bastidores, Mamberti ouviria do Nobel que havia conseguido transformar seu "Deus" em um personagem ainda mais cruel.
"Tu o fizeste pior que eu. Além de tudo, irônico", disse Saramago ao ator, que provocou gargalhadas na platéia com sua interpretação, um dos pontos altos do evento.
O escritor português, que parecia muito cansado, preferiu falar, como sempre, da condição humana, em vez de dissertar sobre sua literatura. "Os livros são algo que faço, mas minha vida não se realiza só nisso", justificou.
Discorreu, então, sobre a amputação que vê no homem, lembrando duas estatuetas de bronze, à maneira da Vênus de Milo, que lhe foram dadas em Porto Alegre no início da semana.
"Da mesma maneira que os lagartos regeneram suas caudas, nós também deveríamos ser capazes de recuperar nossos membros amputados", disse.
Não se referia a braços e pernas, mas às "amputações" da alma, como a invenção da crueldade, o desrespeito ao outro, o desconhecimento pelo homem de sua função no mundo.
"O homem caminha sobre duas colunas, a Razão e o Sentimento. Os dois são necessários", afirmou Saramago, reconhecendo em si próprio, naquele momento, um pregador, para gozo da platéia. (CYNARA MENEZES)


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