São Paulo, segunda, 30 de junho de 1997.



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Novo cinema chinês deve sua projeção a Hong Kong

LEON CAKOFF
da Equipe de Articulistas

A diplomacia está se lixando pelo destino humano em Hong Kong. Em maio passado, no 50º Festival de Cannes, nem a direção do festival nem a Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica se manifestaram contra novas perseguições a cineastas chineses.
Mas o que tem a ver cineastas chineses com Hong Kong? Pois tinham. Não fosse a ponte humanitária de Hong Kong, através de seus produtores independentes ajudando a finalizar filmes censurados pelo regime chinês nos últimos dez anos, o cinema que conhecemos não teria existido.
Filmes como "Adeus, Minha Concubina", de Chan Kaige, "O Papagaio Azul", de Tian Zhuangzhuang e "Os Bastardos de Pequim", de Zhang Yuan, não seriam concluídos sem a boa vontade dos produtores de Hong Kong e também da Fundação Hubert Bals de Roterdã, na Holanda.
Foram essas pontes que romperam com o isolamento da China. Mas repentinamente o pragmatismo da diplomacia ocidental abandonou esse modelo de cinema que chegou a ser uma das sensações dos anos 90.
Agora mesmo, continua incerto o destino político de Zhang Yuan, com passaporte apreendido desde Cannes, onde o seu filme "Dong Gong Xi Gong" (East Palace West Palace) passou à revelia e graças à finalização feita pela produtora Ocean Films (de Hong Kong).
Zhang Yuan participou em agosto do ano passado do Festival Internacional de Artes Cênicas de Ruth Escobar com a peça que originou o filme: a paixão dilacerante de um guarda do regime comunista por um garoto de programa perseguido no parque da cidade.
A diplomacia chinesa não se vexa e não respeita fronteiras para perseguir os seus banidos.
Zhang Yimou, igualmente amparado pelo capitalismo de Hong Kong para concluir seu último filme, "You hua hao hao shuo" (Keep Cool), chegou a ser anunciado na lista dos filmes na competição de Cannes, mas foi impedido de aparecer e mostrar o trabalho.
Para a coletividade cinematográfica de Hong Kong, fora esse passado liberal que já os condena diante dos olhos da China totalitarista, a contagem regressiva que devolve Hong Kong à China provocou uma "doença" denominada "síndrome da ansiedade".
Essa mesma comunidade reuniu-se em abril no encerramento do 21º Festival de Hong Kong, comemorado como se fosse o último de uma era de liberdade.
Melancolicamente, uma das seções do Festival de Hong Kong chamava-se "Have a Date with the Censorship" (Encontro Marcado com a Censura), reunindo filmes de diversas procedências proibidos nas últimas décadas no território. Até mesmo o mais famoso dos seus cineastas, Wong Kar-Wai, concluiu a toque de caixa o elétrico "Happy Together", sobre dois amantes de Hong Kong que fogem para a Argentina com o sonho de Borges na cabeça e as cataratas de Iguaçu na imaginação.
Wong Kar-Wai terminou o filme com tanta pressa que esqueceu de pedir autorização para usar a faixa "Cucurrucucú Paloma", cantada por Caetano Veloso em "Fina Estampa" -antecipando-se à mesma intenção de Pedro Almodóvar para o seu novo filme, "Carne Trêmula".
Falta também definir o destino de Shu Kei, um dos principais responsáveis pela repercussão do cinema independente de Hong Kong/China no exterior. Distribuidor, produtor e cineasta, ele acaba de dirigir "A Queer Story", com o mesmo pensamento de realizar um filme homossexual antes que fosse tarde demais.
Protetor de diversos cineastas perseguidos, ele também não viu muito como fugir dessa nova era de obscurantismo cultural que se pronuncia.








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