|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Novo cinema chinês deve sua projeção a Hong Kong
LEON CAKOFF
da Equipe de Articulistas
A diplomacia está se lixando pelo
destino humano em Hong Kong.
Em maio passado, no 50º Festival
de Cannes, nem a direção do festival nem a Federação Internacional
da Imprensa Cinematográfica se
manifestaram contra novas perseguições a cineastas chineses.
Mas o que tem a ver cineastas
chineses com Hong Kong? Pois tinham. Não fosse a ponte humanitária de Hong Kong, através de
seus produtores independentes
ajudando a finalizar filmes censurados pelo regime chinês nos últimos dez anos, o cinema que conhecemos não teria existido.
Filmes como "Adeus, Minha
Concubina", de Chan Kaige, "O
Papagaio Azul", de Tian Zhuangzhuang e "Os Bastardos de Pequim", de Zhang Yuan, não seriam concluídos sem a boa vontade dos produtores de Hong Kong e
também da Fundação Hubert Bals
de Roterdã, na Holanda.
Foram essas pontes que romperam com o isolamento da China.
Mas repentinamente o pragmatismo da diplomacia ocidental abandonou esse modelo de cinema que
chegou a ser uma das sensações
dos anos 90.
Agora mesmo, continua incerto
o destino político de Zhang Yuan,
com passaporte apreendido desde
Cannes, onde o seu filme "Dong
Gong Xi Gong" (East Palace West
Palace) passou à revelia e graças à
finalização feita pela produtora
Ocean Films (de Hong Kong).
Zhang Yuan participou em agosto do ano passado do Festival Internacional de Artes Cênicas de
Ruth Escobar com a peça que originou o filme: a paixão dilacerante
de um guarda do regime comunista por um garoto de programa perseguido no parque da cidade.
A diplomacia chinesa não se vexa
e não respeita fronteiras para perseguir os seus banidos.
Zhang Yimou, igualmente amparado pelo capitalismo de Hong
Kong para concluir seu último filme, "You hua hao hao shuo"
(Keep Cool), chegou a ser anunciado na lista dos filmes na competição de Cannes, mas foi impedido
de aparecer e mostrar o trabalho.
Para a coletividade cinematográfica de Hong Kong, fora esse passado liberal que já os condena
diante dos olhos da China totalitarista, a contagem regressiva que
devolve Hong Kong à China provocou uma "doença" denominada "síndrome da ansiedade".
Essa mesma comunidade reuniu-se em abril no encerramento
do 21º Festival de Hong Kong, comemorado como se fosse o último
de uma era de liberdade.
Melancolicamente, uma das seções do Festival de Hong Kong
chamava-se "Have a Date with the
Censorship" (Encontro Marcado
com a Censura), reunindo filmes
de diversas procedências proibidos nas últimas décadas no território. Até mesmo o mais famoso dos
seus cineastas, Wong Kar-Wai,
concluiu a toque de caixa o elétrico
"Happy Together", sobre dois
amantes de Hong Kong que fogem
para a Argentina com o sonho de
Borges na cabeça e as cataratas de
Iguaçu na imaginação.
Wong Kar-Wai terminou o filme
com tanta pressa que esqueceu de
pedir autorização para usar a faixa
"Cucurrucucú Paloma", cantada
por Caetano Veloso em "Fina Estampa" -antecipando-se à mesma intenção de Pedro Almodóvar
para o seu novo filme, "Carne
Trêmula".
Falta também definir o destino
de Shu Kei, um dos principais responsáveis pela repercussão do cinema independente de Hong
Kong/China no exterior. Distribuidor, produtor e cineasta, ele
acaba de dirigir "A Queer Story",
com o mesmo pensamento de realizar um filme homossexual antes
que fosse tarde demais.
Protetor de diversos cineastas
perseguidos, ele também não viu
muito como fugir dessa nova era
de obscurantismo cultural que se
pronuncia.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|