São Paulo, sexta-feira, 30 de junho de 2006

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Crítica/"A Pequena Jerusalém"

Drama vê contradições do mundo atual e a difícil convivência entre fé e razão

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Primeiro longa da cineasta francesa Karin Albou, "A Pequena Jerusalém" -destaques da Semana da Crítica do Festival de Cannes de 2005- aborda com delicadeza e alguma coragem uma contradição do mundo contemporâneo: a possibilidade de convivência (ou não) entre fé e razão.
Sabiamente, Albou procura formas concretas para refletir sobre o tema, que tem se mostrado difícil nestes tempos de fundamentalismos e intolerâncias religiosas. Sua heroína é Laura (Fanny Valette), jovem de um bairro da periferia parisiense conhecido como Pequena Jerusalém, em razão da grande comunidade judaica.
Laura pertence a uma família ortodoxa, como informam as primeiras imagens do filme.
Mas ela é também estudante de filosofia e, todos os dias, sai de casa para um passeio pelas ruas do bairro, seguindo o mesmo percurso.

Filosofia
Laura reproduz conscientemente um conhecido hábito do filósofo Kant, impondo à sua vida um ritual filosófico voluntário que se complementa (ou se contrapõe?) ao ritual religioso, herança/imposição familiar.
Durante uma dessas caminhadas, Laura conhece um jovem argelino que desperta seus primeiros sentimentos amorosos. Albou tenta não complicar a questão mais do que ela precisa. Sua aproximação é simples sem perder a complexidade.
Melhor ainda: a diretora não tenta suavizar o fato de que há, sim, um abismo profundo entre o dogma religioso, que precisa se impor sem questionamentos, e o princípio básico da filosofia (a dúvida). Essa divisão se instaura na protagonista e produz uma crise que é também uma crise do mundo hoje e que conduzirá o filme ainda que, às vezes, de forma dispersa por rumos bastante interessantes.
No tratamento da imagem, Albou trabalha com uma crueza que não adocica os conflitos apresentados, mas que também não deixa o filme perder sua delicadeza. Ou seja: procura não cair no clichê da visão que tem predominado nos filmes que se aventuram pelos cenários da periferia urbana, mantendo um saudável respeito pelo que vê e pelo que mostra. Entre o ambicioso e o modesto, "A Pequena Jerusalém" se impõe como necessário e pertinente, à frente de tantos outros filmes "preocupados" com temas contemporâneos.


A PEQUENA JERUSALÉM
   
Direção: Karin Albou
Com: Fanny Valette, Elsa Zylberstein e Bruno Todeschini
Quando: a partir de hoje no Reserva Cultural


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