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Crítica/"A Pequena Jerusalém"
Drama vê contradições do mundo atual e a difícil convivência entre fé e razão
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Primeiro longa da cineasta francesa Karin Albou,
"A Pequena Jerusalém"
-destaques da Semana da Crítica do Festival de Cannes de
2005- aborda com delicadeza
e alguma coragem uma contradição do mundo contemporâneo: a possibilidade de convivência (ou não) entre fé e razão.
Sabiamente, Albou procura
formas concretas para refletir
sobre o tema, que tem se mostrado difícil nestes tempos de
fundamentalismos e intolerâncias religiosas. Sua heroína é
Laura (Fanny Valette), jovem
de um bairro da periferia parisiense conhecido como Pequena Jerusalém, em razão da
grande comunidade judaica.
Laura pertence a uma família
ortodoxa, como informam as
primeiras imagens do filme.
Mas ela é também estudante de
filosofia e, todos os dias, sai de
casa para um passeio pelas ruas
do bairro, seguindo o mesmo
percurso.
Filosofia
Laura reproduz conscientemente um conhecido hábito do
filósofo Kant, impondo à sua vida um ritual filosófico voluntário que se complementa (ou se
contrapõe?) ao ritual religioso,
herança/imposição familiar.
Durante uma dessas caminhadas, Laura conhece um jovem
argelino que desperta seus primeiros sentimentos amorosos.
Albou tenta não complicar a
questão mais do que ela precisa. Sua aproximação é simples
sem perder a complexidade.
Melhor ainda: a diretora não
tenta suavizar o fato de que há,
sim, um abismo profundo entre
o dogma religioso, que precisa
se impor sem questionamentos, e o princípio básico da filosofia (a dúvida). Essa divisão se
instaura na protagonista e produz uma crise que é também
uma crise do mundo hoje e que
conduzirá o filme ainda que, às
vezes, de forma dispersa por
rumos bastante interessantes.
No tratamento da imagem,
Albou trabalha com uma crueza que não adocica os conflitos
apresentados, mas que também não deixa o filme perder
sua delicadeza. Ou seja: procura não cair no clichê da visão
que tem predominado nos filmes que se aventuram pelos cenários da periferia urbana,
mantendo um saudável respeito pelo que vê e pelo que mostra. Entre o ambicioso e o modesto, "A Pequena Jerusalém"
se impõe como necessário e
pertinente, à frente de tantos
outros filmes "preocupados"
com temas contemporâneos.
A PEQUENA JERUSALÉM
Direção: Karin Albou
Com: Fanny Valette, Elsa Zylberstein e Bruno Todeschini
Quando: a partir de hoje no Reserva Cultural
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