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Crítica/teatro
Musical "My Fair Lady" entrega apenas o que seu público espera
Espetáculo de humor escrachado no teatro Alfa já atraiu 100 mil espectadores
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Exortado há tempos a
não buscar sushi em
pizzarias, deveria me limitar a informar aqui que o público de "My Fair Lady" encontrará exatamente o que espera:
uma versão brasileira do clássico musical, com um humor
mais escrachado, mas mantendo nem mais nem menos daquilo que pode ser visto no filme de George Cukor, de 1964.
Assim, na milionária pizzaria
da CIE, Cláudio Botelho segue
com seu dom de dissimular rimas em "ão" e "im" sob uma generosa camada de verbos no infinitivo, e tem a criatividade de
trocar "The rain in Spain stays
mainly in the plain", o exercício
de dicção imposto pelo misógino professor Higgins a sua cobaia Eliza, por "Atrás do trem
as tropas vem trotando", que
cabe perfeitamente na métrica.
Pena que a música e a coreografia mantenham a referência
à Espanha, mas ninguém na
platéia se questiona por que o
professor diz "olé" para o trem.
Afinal, embora tenha dispensando o contrato de franquia, o
diretor Jorge Takla se mantém
fiel ao espetáculo da Broadway.
A figuração tem a precisão de
bonequinhos de relógio. Figurinos e cenários podem ser reconhecidos pelos fãs do filme.
Alardeado como um truque
cênico admirável, o cenário
acanhado é trocado em poucos
minutos, enquanto um telão
isola os atores.
O sistemático espaço em
branco é preenchido apenas
uma vez, com uma projeção do
desenho do rosto de Eliza, para
ilustrar o que canta o professor
-e é desolador lembrar o que
Daniela Thomas já fez com um
filó. Mas aqui foi contratada para ser eficiente, e não criativa.
Há música e dança profissionais e cantores formados. Daniel Boaventura, sem idade
nem carisma para um Higgins
marcante, se sai razoavelmente
bem, transformando-o em um
professor simpático e palerma.
Amanda Acosta faz Eliza
cantar com uma boa impostação na primeira parte e falar
com uma entonação popular na
segunda, mas a criatividade de
Botelho a faz dizer "probre" em
vez de pobre, erro que ninguém
faz. Francarlos Reis rouba o
show no papel do pai de Eliza, à
vontade em um humor televisivo altamente eficaz.
A grande vantagem desta
versão de "My Fair Lady" é a de
não pretender se comparar a
outras mais prestigiosas, quando o professor foi Paulo Autran
ou Jaime Costa.
O milionário investimento se
limita à garantia da mediocridade, para alimentar a curiosidade da classe média por aquilo
que foi privilégio até pouco
tempo daqueles que podiam
pegar o avião para Nova York.
Até este final de semana, o musical teve a boa marca de 100
mil espectadores.
Pode ser a contribuição da
empresa mexicana, nesses
tempos de ausência de política
cultural consistente. Quando
esfriar a febre do escambo de
lustres e helicópteros por mão-de-obra barata e renúncias fiscais, os musicais terão de ser
simplesmente bem-feitos. Então, com um pouquinho assim
de sorte, alguém vai lembrar de
Arthur de Azevedo -e aí as coisas vão ficar interessantes.
MY FAIR LADY
Quando: qui. e sex., às 21h; sáb., às
17h e às 21h; dom., às 16h e às 20h; até
21/10
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de
Andrade Filho, 722, SP, tel. 0/xx/11/
5693-4000
Quanto: de R$ 40 a R$ 185
Avaliação: regular
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