São Paulo, sábado, 30 de junho de 2007

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Crítica/teatro

Musical "My Fair Lady" entrega apenas o que seu público espera

Espetáculo de humor escrachado no teatro Alfa já atraiu 100 mil espectadores

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Exortado há tempos a não buscar sushi em pizzarias, deveria me limitar a informar aqui que o público de "My Fair Lady" encontrará exatamente o que espera: uma versão brasileira do clássico musical, com um humor mais escrachado, mas mantendo nem mais nem menos daquilo que pode ser visto no filme de George Cukor, de 1964.
Assim, na milionária pizzaria da CIE, Cláudio Botelho segue com seu dom de dissimular rimas em "ão" e "im" sob uma generosa camada de verbos no infinitivo, e tem a criatividade de trocar "The rain in Spain stays mainly in the plain", o exercício de dicção imposto pelo misógino professor Higgins a sua cobaia Eliza, por "Atrás do trem as tropas vem trotando", que cabe perfeitamente na métrica.
Pena que a música e a coreografia mantenham a referência à Espanha, mas ninguém na platéia se questiona por que o professor diz "olé" para o trem.
Afinal, embora tenha dispensando o contrato de franquia, o diretor Jorge Takla se mantém fiel ao espetáculo da Broadway.
A figuração tem a precisão de bonequinhos de relógio. Figurinos e cenários podem ser reconhecidos pelos fãs do filme. Alardeado como um truque cênico admirável, o cenário acanhado é trocado em poucos minutos, enquanto um telão isola os atores.
O sistemático espaço em branco é preenchido apenas uma vez, com uma projeção do desenho do rosto de Eliza, para ilustrar o que canta o professor -e é desolador lembrar o que Daniela Thomas já fez com um filó. Mas aqui foi contratada para ser eficiente, e não criativa.
Há música e dança profissionais e cantores formados. Daniel Boaventura, sem idade nem carisma para um Higgins marcante, se sai razoavelmente bem, transformando-o em um professor simpático e palerma.
Amanda Acosta faz Eliza cantar com uma boa impostação na primeira parte e falar com uma entonação popular na segunda, mas a criatividade de Botelho a faz dizer "probre" em vez de pobre, erro que ninguém faz. Francarlos Reis rouba o show no papel do pai de Eliza, à vontade em um humor televisivo altamente eficaz.
A grande vantagem desta versão de "My Fair Lady" é a de não pretender se comparar a outras mais prestigiosas, quando o professor foi Paulo Autran ou Jaime Costa.
O milionário investimento se limita à garantia da mediocridade, para alimentar a curiosidade da classe média por aquilo que foi privilégio até pouco tempo daqueles que podiam pegar o avião para Nova York. Até este final de semana, o musical teve a boa marca de 100 mil espectadores.
Pode ser a contribuição da empresa mexicana, nesses tempos de ausência de política cultural consistente. Quando esfriar a febre do escambo de lustres e helicópteros por mão-de-obra barata e renúncias fiscais, os musicais terão de ser simplesmente bem-feitos. Então, com um pouquinho assim de sorte, alguém vai lembrar de Arthur de Azevedo -e aí as coisas vão ficar interessantes.


MY FAIR LADY
Quando:
qui. e sex., às 21h; sáb., às 17h e às 21h; dom., às 16h e às 20h; até 21/10
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, SP, tel. 0/xx/11/ 5693-4000
Quanto: de R$ 40 a R$ 185
Avaliação: regular


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