São Paulo, terça, 30 de junho de 1998

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Ex-operador da Bolsa desce à Sâo Paulo dos excluídos


O estreante Dardo Toledo barros traz em seu currículo o sonho de qualquer cineasta: dinheiro para filmar antes mesmo de apresentar um projeto


IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

Como se inicia um projeto de filme? Em primeiro lugar decide-se filmar alguma coisa. Depois batalha-se a grana. E vamos em frente.
Mas há quem faça o improvável caminho inverso. É o caso do diretor estreante Luiz Eduardo Toledo Barros, 39, um ex-operador da Bolsa de Valores de São Paulo. Íntimo de transações financeiras e da burocracia legal, para ele verba não é problema. O que falta é projeto para ser filmado.
Ou melhor, faltava, já que Barros -ou Dardo, como prefere ser chamado- está em plena filmagem de seu primeiro longa-metragem. Aliás, uma das cenas cruciais de "Sau Paulu" (escrito assim mesmo) se passa exatamente no pregão da Bolsa de Valores, onde o ex-operador trabalhou por 15 anos.
A inédita situação de ter o dinheiro antes da idéia -na verdade um problema que todo cineasta adoraria resolver- é fruto da Lei do Audiovisual de 1993. A lei permite que empresas, em vez de pagarem Imposto de Renda ao governo, destinem esse valor para o patrocínio de um filme.
"Quando a lei saiu, percebi que se tratava de uma operação financeira interessante para as empresas. Mostrei a idéia para meus clientes e todos toparam. Só não tinha o projeto", diz Dardo, que logo arrumou vários.

Captação

O ex-operador acabou se tornando um eficientíssimo captador de verbas. Ajudou a reunir dinheiro para meia dúzia de longas, entre eles "Ed Mort" (R$ 1 milhão), de Alain Fresnot, e "Kenoma" (R$ 1,5 milhão), de Eliane Caffé.
Apesar de sua facilidade na área, Dardo foi comedido ao captar recursos para si próprio. "Sau Paulu" tem orçamento previsto de R$ 500 mil, para serem gastos da filmagem à publicidade. É uma baixíssima verba para o atual padrão brasileiro, pós-Lei do Audiovisual.
Um padrão que hoje taxa filmes de R$ 1 milhão como de baixo orçamento e permite barbaridades como fitas de R$ 15 milhões.
Dardo se aproveita desse inchaço e quer provar que "é possível filmar com meio milhão de reais e ter lucro com a bilheteria. Não vou parar nesse projeto. Já tenho outros e estou convencendo empresas de que o cinema é viável como investimento".
Com um orçamento como esse, convém não desperdiçar. Os atores estão ensaiando há dois meses e, no momento da filmagem, bastam duas tomadas de cada cena. Assim, gasta-se menos película.
Além disso, Dardo não se envergonha, por exemplo, de usar seu próprio apartamento como locação. Na quinta-feira passada, uma equipe de quase 30 pessoas se aglomerava em sua sala de visitas para filmar cenas que se passam na casa do personagem principal do filme.
O fato de ser de baixo orçamento não significa que se trata de um filme B. "O equipamento usado e nossa equipe são de ótima qualidade. Não economizamos nisso", diz o diretor.

Ficção-documentário
"Sau Paulu" entra hoje em sua quarta e penúltima semana de filmagem.
O roteiro, escrito pelo próprio Dardo, é um misto de ficção e documentário. "A parte ficcional traz a história de Daniel (interpretado por Cláudio Fontana), um alto executivo de banco que só conhece a cidade de São Paulo através dos vidros de seu helicóptero", conta o diretor.
Após especulação infeliz na Bolsa de Valores, Daniel é demitido e, em seguida, mandado embora de casa pela mulher perua. Agora o ex-executivo vai conhecer a São Paulo de baixo.
"Intercalando essa saga estão os depoimentos reais de cerca de dez imigrantes. São pessoas bem-sucedidas que, em algum momento de suas vidas, passaram por uma situação semelhante."
Entre os depoentes, estão o italiano Nello de Rossi, dono da cantina que leva seu nome, e o fotógrafo americano David Drew Zingg, colunista da Folha. Há ainda um perfumista libanês, um cenógrafo inglês, uma comerciante japonesa e uma cantora judia.
"A partir dessas experiências reais, o fictício Daniel vai se virando. O nome do filme é uma alusão à forma como alguns desses imigrantes pronunciam o nome da cidade: Sau Paulu", conta Dardo.
Ao final, Daniel acaba entrando no ramo cinematográfico. E produz um filme com depoimentos de imigrantes sobre a cidade -os mesmos imigrantes que de certa forma o "guiaram" quando estava no chão.
As filmagens de "Sau Paulu" devem terminar na próxima semana e o filme deve estar pronto no fim do ano. "O lançamento será em abril de 99, após o Carnaval e o Oscar", promete o diretor.



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