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LIVRO LANÇAMENTOS
Quando o bombom se transforma em pecado
NINA HORTA
Colunista da Folha
São 39 capítulos
que têm como
títulos os dias da
Quaresma. O livro começa numa terça-feira
gorda e acaba
um dia depois
da Páscoa.
Vianne Rochet e Anouk, a filha
de 6 anos, chegam a Lansquenet
sous Tannes, cidadezinha de 200
habitantes entre Toulouse e Bordeaux no dia de Carnaval. Assistem ao final da passagem de um
carro alegórico, a pequena Anouk,
embevecida. A cidade, que mais
tarde vai se render a elas, naquele
momento é toda olhares desconfiados e frios.
Uma figura de preto encerra o
desfile. É o pároco da aldeia com
sua sotaina fora de moda, jeito felino e ameaçador. Mau, muito mau.
As duas forasteiras vão para casa,
uma antiga padaria em mau estado
de conservação, e antes de dormir
exorcizam os fantasmas do lugar
com sal grosso e pão no batente da
porta, cantorias mágicas, nada
muito católico.
A história é contada a duas vozes,
ora por Vianne Rochet, a nova moradora, que reflete sobre sua vida e
a dos habitantes do lugar, ora pelo
cura de aldeia, o padre Reynaud. É
a realidade com duas perspectivas.
Pelas conversas do padre aprendemos que a mulher que chegou,
sem aviso, de repente, reformou,
como num passe de mágica, a velha padaria e a transformou numa
chocolateria artesanal de grande
luxo.
O prédio velho, bem em frente à
igreja, virou uma caixa de bombons, um confeito vermelho e dourado sobre fundo branco. Na época da Quaresma... A tradicional
época da renúncia.
Prateleiras cheias de caixas, pacotes, cartuchos de papel dourado
e prateado, chocolates, pralinas,
trufas, frutas cristalizadas, conchas de chocolate, pétalas de rosas
confeitadas.
Seria aquilo o mal? Aquela insignificância de tentação seria o pecado moderno?
O diabo já não era o mesmo, não
tinha substância, rompera-se em
mil estilhaços. No Velho Testamento, Satã tinha cara. Sacrificavam-se filhos em nome do Senhor.
Agora era o bombom.
A nova moradora da cidade só
quer saber de cativar. É uma alquimista inofensiva e encanta adultos
e crianças com biscoitos, pães de
mel, bolos de massapão. Quem
não teria direito a um momento de
luxo, beleza, auto-indulgência?
Ela somente vende sonhos, pequenas tentações, doces alegrias.
Gosta de cozinhar pela feitiçaria
dos ingredientes que se transmutam, dos utensílios que brilham em
cobres e alumínios, dos gratinados, da transitoriedade deliciosa
do doce que se faz e que imediatamente se come.
E quem é o mais tentado na cidade cheia de humanos mais que humanos? O padre Reynaud, é claro.
Está perturbado e enraivecido. Ao
ver a loja lembra-se do quarto da
mãe, da intimidade de "boudoir"
do quarto da mãe, do abandono
lânguido. Deve existir um pecado
naquela doçura excessiva...
A cozinheira baixou na cidade
como anjo sem asas e liberou desejos reprimidos, promoveu encontros e desencontros, mudou vidas,
sem outra arma que a colher de
pau, o cheiro suave das trufas e sua
presença forte, colorida e sensual.
Tudo piora quando Vianne resolve promover um festival no Domingo de Páscoa, numa tentativa,
sempre segundo o padre, de solapar as bases da igreja, seus símbolos, sacramentos...
Maldita mulher que prega uma
paródia de tolerância, boa vontade, piedade, quando o que cresce é
a corrupção.
Com a volúpia de seus cafés
achocolatados, ela pode atacar a
autoridade do padre e insinuar que
o ovo de Páscoa é a mensagem e
não a palavra de Cristo.
Pelos excessos do pároco Reynaud começamos a perceber que
ele guarda segredos e que vai querer acabar com a festa prometida.
Vai-se construindo a trama, muito
leve, o Domingo que se aproxima,
a surpresa.
Quem ganhará? O prazer ou a ascese, a alegria ou a severidade? Direito e avesso.
O livro é o primeiro de Joanne
Harris, inglesa. Fiquei com certa
dificuldade em colocá-lo na apropriada faixa de idade para leitura.
Parece um pouco com "A Fábrica
de Chocolates", de Roald Dahl, para adultos, ou um Peter Mayle para
adolescentes.
Uma história bem contada, bem
escrita, para jovens românticos,
um pequeno e fácil conto de fadas,
uma fábula à antiga.
A única coisa que o retiraria do
setor juvenil são duas linhas, nem
um parágrafo, onde a heroína chocolateira encomenda um filho,
uma produção independente junto com um cigano que não ama.
Ela, que se comportou o tempo
todo como um anjo de candura
adocicada, mostra um lado dionisíaco mais forte do que se pensava,
aparentemente para dar um irmão
à filha e acabar de vez com um coelho invisível chamado Pantoufle
que acompanha a menina.
Ficaria mais coerente com a história se glaçasse o coelho em chocolate branco e preto. Enfim...
Um livro bem feito, engraçadinho e nada ordinário para adolescentes.
Avaliação:
Livro: Chocolate
Autor: Joanne Harris
Lançamento: Record
Quanto: R$ 28 (304 págs.)
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