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Crítica/"Dançando no Escuro"
Lars von Trier lança olhar sobre "nação fraca" dos EUA
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Ao anunciar "Dogville",
Lars von Trier o divulgou como o primeiro
filme de uma trilogia focada em
uma personagem capaz de revelar a visão pessimista que o
diretor dinamarquês tem dos
EUA. De fato, esse retrato já começara de modo inequívoco
em "Dançando no Escuro".
Revisto longe do calor da hora, "Dançando no Escuro" revela que as intenções políticas,
que Von Trier retomará sob a
forma de um sistema em "Dogville" e "Manderlay", já estavam consolidadas desde aqui.
Trata-se de um olhar externo,
europeu, lançado sobre os
EUA, para Von Trier "uma nação fraca, que tem de matar
seus membros para preservar
seu conceito de moral".
A vantagem é que, para alcançar essa interpretação, ele
se cerca de recursos cinematográficos. A começar do enredo,
que recupera a simplicidade
das histórias de D.W. Griffith:
Selma, uma imigrante tcheca,
sofre de uma doença degenerativa que a torna progressivamente cega e luta para juntar
dinheiro suficiente para tratar
o filho e livrá-lo do mesmo mal;
mas outro mal, sob a forma de
cobiça, a transformará em mártir. Depois, ao recorrer aos gêneros clássicos do cinema norte-americano, como o musical,
o filme criminal, o filme de tribunal e o melodrama.
Todos eles concorrem nessa
construção de uma América segundo Von Trier. Não se trata
de uma América banal, mas de
uma América mítica, imaginária, construída a partir de sonhos projetados em telas de cinema. Para Von Trier, o importante é devolver à América a reflexão daquilo que ela mesma
projeta, desde o início do século
passado, sob a forma de filmes.
Sua América foi toda construída em locações na Suécia. E
que não se busque nela algum
sinal de veracidade ou realismo. Tal como nas simples indicações cênicas no palco em
"Dogville" e "Manderlay", aqui
é dançando e cantando que se
chega perto do que se procura.
É o que permite também ao
diretor propor, sob evidente
inspiração em Bertolt Brecht,
uma dramatização que seja ao
mesmo tempo uma exposição
de seus truques ilusionistas.
Desse modo, o irrealismo dos
musicais clássicos são retomados com radicalismo, para
acentuar sua "artificialidade".
Com os meios do cinema,
com sua linguagem, Lars von
Trier devolve aos EUA uma
imagem invertida da que os filmes americanos nos acostumaram. Ao contrário de suas estrelas, essa América nunca chega a estar linda nem irretocável.
DANÇANDO NO ESCURO
Direção: Lars von Trier
Distribuidora: Versátil; R$ 40
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