São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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Crítica/"Dançando no Escuro"

Lars von Trier lança olhar sobre "nação fraca" dos EUA

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Ao anunciar "Dogville", Lars von Trier o divulgou como o primeiro filme de uma trilogia focada em uma personagem capaz de revelar a visão pessimista que o diretor dinamarquês tem dos EUA. De fato, esse retrato já começara de modo inequívoco em "Dançando no Escuro".
Revisto longe do calor da hora, "Dançando no Escuro" revela que as intenções políticas, que Von Trier retomará sob a forma de um sistema em "Dogville" e "Manderlay", já estavam consolidadas desde aqui. Trata-se de um olhar externo, europeu, lançado sobre os EUA, para Von Trier "uma nação fraca, que tem de matar seus membros para preservar seu conceito de moral".
A vantagem é que, para alcançar essa interpretação, ele se cerca de recursos cinematográficos. A começar do enredo, que recupera a simplicidade das histórias de D.W. Griffith: Selma, uma imigrante tcheca, sofre de uma doença degenerativa que a torna progressivamente cega e luta para juntar dinheiro suficiente para tratar o filho e livrá-lo do mesmo mal; mas outro mal, sob a forma de cobiça, a transformará em mártir. Depois, ao recorrer aos gêneros clássicos do cinema norte-americano, como o musical, o filme criminal, o filme de tribunal e o melodrama.
Todos eles concorrem nessa construção de uma América segundo Von Trier. Não se trata de uma América banal, mas de uma América mítica, imaginária, construída a partir de sonhos projetados em telas de cinema. Para Von Trier, o importante é devolver à América a reflexão daquilo que ela mesma projeta, desde o início do século passado, sob a forma de filmes.
Sua América foi toda construída em locações na Suécia. E que não se busque nela algum sinal de veracidade ou realismo. Tal como nas simples indicações cênicas no palco em "Dogville" e "Manderlay", aqui é dançando e cantando que se chega perto do que se procura.
É o que permite também ao diretor propor, sob evidente inspiração em Bertolt Brecht, uma dramatização que seja ao mesmo tempo uma exposição de seus truques ilusionistas. Desse modo, o irrealismo dos musicais clássicos são retomados com radicalismo, para acentuar sua "artificialidade".
Com os meios do cinema, com sua linguagem, Lars von Trier devolve aos EUA uma imagem invertida da que os filmes americanos nos acostumaram. Ao contrário de suas estrelas, essa América nunca chega a estar linda nem irretocável.


DANÇANDO NO ESCURO
    
Direção:
Lars von Trier
Distribuidora: Versátil; R$ 40


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