São Paulo, sexta-feira, 30 de julho de 2010

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DEPOIMENTO

Busco o avô desaparecido em pleno genocídio

Diretor da Mostra de SP, Leon Cakoff, conta a experiência de atuar em filme de Egoyan


ELE É UM CINEASTA AMADOR, RAIVOSO COM O DIRETOR DE FESTIVAL QUE REPRESENTO. HÁ UMA DENÚNCIA DE CORRUPÇÃO NO AR


LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Represento a mim mesmo nos dois novos filmes de Atom Egoyan. Ambos se passam em Yerevan, capital da Armênia, começo da Ásia para uns, fim da Europa para outros, sob um calor de 41 C.
Na primeira comédia que Egoyan faz, ficção e realidade se misturam. O primeiro dia de filmagem, 11 de julho, é também o da inauguração do 7º Festival de Cinema Golden Abricot, em que sou membro do júri.
Vamos acabar elegendo o turco "Cosmos", de Reha Erdem, como melhor filme. O convite de Egoyan para atuar coincide com o que lhe fiz para dirigir um dos segmentos do longa brasileiro "Mundo Invisível", que a Mostra Internacional de Cinema está produzindo com a Gullane Filmes.
As distintas variações sobre invisibilidade começaram com "Do Visível ao Invisível", de Manoel de Oliveira, que abriu o Festival de Veneza em 2008. O filme terá mais Theo Angelopoulos, Wim Wenders, Hector Babenco, Maria de Medeiros, Isay Weinfeld e Serginho Groisman, entre outros. Egoyan e eu somos filhos da diáspora armênia, do genocídio turco que matou 1,5 milhão de armênios em 1915.
Ele foi parar no Canadá e eu no Brasil. Estou agora na Praça da República de Yerevan, ex-Praça Lênin, como homem-sanduíche, perguntando no cartaz com caracteres armênios "Quem conhece esse homem?". Busco o meu avô desaparecido rumo a Marash (hoje anexado à Turquia) ao deixar Nova York de navio para salvar a minha mãe, sua filha única, em pleno genocídio e a Primeira Guerra Mundial.
Um transeunte (o ator Ashot Adamyan) olha as fotos e reconhece um amigo morto em 2008 nos protestos contra as últimas eleições presidenciais, suspeitas de fraude.
A proximidade do centenário do genocídio de 1915 começa a inquietar o meio cinematográfico. Ousado, o alemão Fatih Akin, filho de turcos, quer filmar a travessia do deserto sírio de Der Zor, o trágico caminho da deportação de armênios com menos de seis anos (como minha mãe) e mais de 60.
O franco-armênio Serge Avedikian acaba de vencer em Cannes a Palma de Ouro com "Chienne d'Historie" (cadela da história), animação sobre o extermínio em massa de cães na Turquia de 1910 como ensaio da limpeza étnica cinco anos depois.
Em seu filme sobre corrupção, Egoyan cria personagens de uma geração que apela às raízes por oportunismo. No segmento em que atuo, ele é um cineasta amador, raivoso com o diretor de festival que represento. Há uma denúncia de corrupção no ar, mas parece possível ignorá-la diante da tentação de se fazer carreira no cinema.
Num outro episódio, Jacky Nercessian faz com Serge Avedikian um casal gay francês fechando um estranho negócio funerário com uma corretora (Arsinée Khanjian) pela promessa de se levar as cinzas dos mortos para a Armênia de seus ancestrais.
Um dos gays está com os dias contados e quer garantias de que suas cinzas realmente terão enterro na Armênia, onde a homossexualidade é ilícita. Como nas melhores comédias étnicas, é rir para não chorar.

LEON CAKOFF é diretor da Mostra de Cinema de São Paulo


CARLOS HEITOR CONY
Excepcionalmente hoje não é publicada a coluna.



AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Drauzio Varella




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