São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2001

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FESTIVAL DE VENEZA

Fausto leva La Fura dels Baus ao cinema

Divulgação
Cenas de "Fausto 5.0", releitura do texto de Goethe e primeiro filme do grupo catalão La Fura dels Baus, que estréia hoje, fora de competição, no Festival de Veneza


Grupo catalão estréia hoje seu primeiro filme: releitura do clássico de Goethe

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A BARCELONA

É uma das muitas tachinhas no mural de um galpão na periferia industrial de Barcelona. Uma entre centenas usadas nos últimos 20 anos, mas uma das mais importantes. É um alfinete prendendo as palavras Veneza e Fausto ao dia 30 de agosto. É hoje.
A cortiça que guarda o calendário dos projetos do grupo teatral La Fura dels Baus ganha um buraco hoje. Estréia às 21h, no Festival de Cinema de Veneza, o filme "Fausto 5.0".
É o primeiro projeto em cinema realizado pela polêmica trupe catalã, que começou nas ruas de Barcelona e girou o globo com performances violentas em que os atores correm contra a platéia, arremessam nacos de carne crua para o alto, urram, esparramam tinta e voam pendurados em guindastes de construção civil.
Desta vez, nada disso. "Não tínhamos pretensão de ser coerentes com nosso estilo teatral. Forte é a própria história do filme." A palavra é de Carlos Padrissa, 42, o único dos fundadores do Fura, apelido do grupo, que permanece na companhia.
"Não queríamos um filme estranho de pesquisa. Não tínhamos paranóias de fazermos tomadas de ângulos esquisitos ou coisas muito subjetivas. Queríamos um filme que pudesse ser exibido na TV", explica Padrissa, que dividiu a direção do filme com o também "furero" Álex Ollá, 41, e com o diretor de cinema Isidro Ortiz, 39.
O enredo não chega a ser "sessão da tarde". A base é o clássico "Fausto", de Goethe, que já serviu de estrado para duas produções do grupo: a peça "Fausto 3.0" e uma montagem da ópera "A Condenação de Fausto".
Um doutor chamado Fausto (citação ao romance "Dr. Fausto", de Thomas Mann), especialista em doentes terminais, encontra Santos, um paciente a quem havia dado, oito anos antes, apenas três meses de vida.
Como agradecimento ao médico que havia aberto seus olhos para a morte, o ex-enfermo oferece a ele a possibilidade "mágica" de realização automática de seus desejos. O apagado Fausto ganha vitalidade na satisfação de seus anseios, sobretudo dos carnais, mas também se vê em pesadelos.
"Se todos cumpríssemos nossos desejos, em vez de sonho produziríamos um caos horrível", diz Padrissa.
Estaria La Fura dels Baus contra a busca dos desejos?
"Não." Silêncio. "Não, não. A conversão de desejos em pesadelos é parte da trama. Assim como desejos ruins, partes de nós. Mas não estamos contra os desejos", diz, enfatizando o não.
Rabiscando freneticamente um papel, o "furero" explica que o núcleo oculto do filme, que também é um elemento central aos outros "faustos" da companhia, é a idéia do homem eternamente insatisfeito, mas em busca da felicidade: "Essa pastilha efervescente que nunca termina nem terminará de se diluir".
Os encarregados dessa busca inglória não são atores do grupo catalão. Vestindo a pele de Fausto está o veterano argentino Miguel Ángel Solá ("Tango", de Carlos Saura, "Coração Iluminado", de Hector Babenco...). Santos ganha vida no novato ator teatral Eduard Fernández.
Os dois têm atrás de suas costas uma cidade futurista, que os diretores foram buscar em uma Barcelona desconhecida.
"Não há nada de "Sagrada Família" nem outros cartões-postais. Buscamos o lado B da cidade", explica Padrissa.
"É o que sempre fazemos, buscar faces desconhecidas de algo que todos sabem o que é."


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