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Romance de Antônio Torres narra a invasão da cidade pelo corsário René Duguay-Trouin
O primeiro sequestro do Rio
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Antônio Torres, 63, gosta de dizer que, para escrever seu romance mais atual, precisou ir a 1711,
ano em que a esquadra do corsário francês René Duguay-Trouin,
numa manobra marítima arriscada e cheia de sorte, entrou na baía
de Guanabara, driblou os canhões
e tomou a cidade do Rio como refém, ameaçando queimá-la se não
recebesse o resgate.
A atualidade do recém-lançado
"O Nobre Sequestrador" está nas
relações que o autor estabelece
entre a invasão francesa, que rendeu o primeiro "sequestro" de
que se tem notícia no Rio -o da
própria cidade-, e a violência urbana de hoje, retratada inclusive
pela utilização de fragmentos de
textos jornalísticos atuais.
"Eu queria seguir a história da
violência, e ela tem origem no
Brasil colonial. Mesmo no tempo
em que aqui era o paraíso idílico
dos franceses, o Rio vivia em
guerra. Era tribo contra tribo, se
matando, se comendo. Que é a
mesma cidade de hoje. Não é uma
loucura?", diz Torres.
O livro faz parte do projeto de
investigação romanesca sobre as
origens da violência que o escritor
vem desenvolvendo. Seu primeiro passo, antes desse retrato ficcional de Duguay-Trouin, foi tentar desenhar a personalidade do
chefe tamoio Cunhambebe em
"Meu Querido Canibal", publicado em 2001.
"Cunhambebe até ensinou [o
vice-almirante bretão Nicolas Durand de] Villegaignon a fortificar
a baía da Guanabara, exatamente
a fortificação que foi o terror de
Duguay-Trouin quando ele chegou um século e meio depois."
Apesar de as histórias se cruzarem, os problemas na confecção
dos livros foram bem diferentes.
"O que me encantou mesmo foram os personagens. Mas, como
índio não dominava a escrita, precisei preencher o vácuo das histórias de Cunhambebe com imaginação. Com o Duguay-Trouin,
sofri pelo excesso de informação.
Precisei tomar cuidado para não
dar furo histórico", diz Torres.
A pesquisa para "O Nobre Sequestrador" começou em 1996,
quando o escritor passou a tropeçar nos personagens enquanto escrevia um texto sobre o centro do
Rio. Como parte dessa "ressurreição de Duguay-Trouin", foi duas
vezes à cidade de Saint-Malo na
costa francesa, importante porto
corsário entre os séculos 17 e 18 e
de onde partiu a esquadra em direção ao Brasil.
E foi numa dessas visitas que o
escritor encontrou a solução para
sua narrativa: uma estátua do corsário que está na muralha da cidade. Trata-se de uma imagem
construída em homenagem ao
herói dos franceses, que conseguiu uma das maiores vitórias da
marinha francesa no tempo de
Luís 14, o rei Sol, e vilão dos portugueses e brasileiros.
"A estátua foi a minha salvação.
Estava sem idéia nenhuma. Com
as informações que vinha acumulando das pesquisas, corria o risco
de fazer um livro de história e isso
eu não queria, pois sou um romancista. Até que sentei no computador para escrever e visualizei
a estátua. Tinha encontrado meu
narrador onisciente. E isso me
deu uma liberdade de movimento
incrível, no espaço, no tempo e
linguisticamente, pois podia fazer
um Duguay-Trouin falando o
português de hoje", afirma Torres.
Sob os olhos do corsário esculpidos em bronze, o mundo atual e
o passado se confundem dando
uma agilidade narrativa que o autor já havia experimentado em
"Meu Querido Canibal". A história do menino Duguay-Trouin,
que foi estudar filosofia e acabou
na malandragem da capa e da espada até ser transformado, como
punição da família, em marinheiro e logo em jovem e ousado capitão, mistura-se com as andanças e
pesquisas do próprio escritor.
A narração das visitas à França,
as pessoas que o ajudaram nas
pesquisas para o livro e as dificuldades de composição são incorporadas à narrativa e vão lapidando uma forma ficcional despojada, própria de um "romance escrito em voz alta", como classifica
o autor.
Para alimentar esse estilo bastante pessoal, Torres confessa que
acompanha a maneira como a
violência é tratada na literatura
contemporânea: "Leio os novos
autores por malandragem, para
não perder o pique e conhecer a
dicção dessa turma".
Mas muito dessa prática em lidar com os fatos vem mesmo da
experiência do escritor como jornalista e publicitário, carreiras
que esse baiano da cidade de Junco (hoje batizada Sátiro Dias) seguiu antes de dedicar-se integralmente à literatura e receber prêmios como o Chevalier des Arts et
des Lettres, concedido pelo governo francês em 1998, e o Machado
de Assis da Academia Brasileira
de Letras pelo conjunto da obra
em 2000.
O NOBRE SEQUESTRADOR. De: Antônio
Torres. Editora: Record. Quanto: R$ 30
(256 págs.).
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