UOL


São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Romance de Antônio Torres narra a invasão da cidade pelo corsário René Duguay-Trouin

O primeiro sequestro do Rio

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Antônio Torres, 63, gosta de dizer que, para escrever seu romance mais atual, precisou ir a 1711, ano em que a esquadra do corsário francês René Duguay-Trouin, numa manobra marítima arriscada e cheia de sorte, entrou na baía de Guanabara, driblou os canhões e tomou a cidade do Rio como refém, ameaçando queimá-la se não recebesse o resgate.
A atualidade do recém-lançado "O Nobre Sequestrador" está nas relações que o autor estabelece entre a invasão francesa, que rendeu o primeiro "sequestro" de que se tem notícia no Rio -o da própria cidade-, e a violência urbana de hoje, retratada inclusive pela utilização de fragmentos de textos jornalísticos atuais.
"Eu queria seguir a história da violência, e ela tem origem no Brasil colonial. Mesmo no tempo em que aqui era o paraíso idílico dos franceses, o Rio vivia em guerra. Era tribo contra tribo, se matando, se comendo. Que é a mesma cidade de hoje. Não é uma loucura?", diz Torres.
O livro faz parte do projeto de investigação romanesca sobre as origens da violência que o escritor vem desenvolvendo. Seu primeiro passo, antes desse retrato ficcional de Duguay-Trouin, foi tentar desenhar a personalidade do chefe tamoio Cunhambebe em "Meu Querido Canibal", publicado em 2001.
"Cunhambebe até ensinou [o vice-almirante bretão Nicolas Durand de] Villegaignon a fortificar a baía da Guanabara, exatamente a fortificação que foi o terror de Duguay-Trouin quando ele chegou um século e meio depois."
Apesar de as histórias se cruzarem, os problemas na confecção dos livros foram bem diferentes. "O que me encantou mesmo foram os personagens. Mas, como índio não dominava a escrita, precisei preencher o vácuo das histórias de Cunhambebe com imaginação. Com o Duguay-Trouin, sofri pelo excesso de informação. Precisei tomar cuidado para não dar furo histórico", diz Torres.
A pesquisa para "O Nobre Sequestrador" começou em 1996, quando o escritor passou a tropeçar nos personagens enquanto escrevia um texto sobre o centro do Rio. Como parte dessa "ressurreição de Duguay-Trouin", foi duas vezes à cidade de Saint-Malo na costa francesa, importante porto corsário entre os séculos 17 e 18 e de onde partiu a esquadra em direção ao Brasil.
E foi numa dessas visitas que o escritor encontrou a solução para sua narrativa: uma estátua do corsário que está na muralha da cidade. Trata-se de uma imagem construída em homenagem ao herói dos franceses, que conseguiu uma das maiores vitórias da marinha francesa no tempo de Luís 14, o rei Sol, e vilão dos portugueses e brasileiros.
"A estátua foi a minha salvação. Estava sem idéia nenhuma. Com as informações que vinha acumulando das pesquisas, corria o risco de fazer um livro de história e isso eu não queria, pois sou um romancista. Até que sentei no computador para escrever e visualizei a estátua. Tinha encontrado meu narrador onisciente. E isso me deu uma liberdade de movimento incrível, no espaço, no tempo e linguisticamente, pois podia fazer um Duguay-Trouin falando o português de hoje", afirma Torres.
Sob os olhos do corsário esculpidos em bronze, o mundo atual e o passado se confundem dando uma agilidade narrativa que o autor já havia experimentado em "Meu Querido Canibal". A história do menino Duguay-Trouin, que foi estudar filosofia e acabou na malandragem da capa e da espada até ser transformado, como punição da família, em marinheiro e logo em jovem e ousado capitão, mistura-se com as andanças e pesquisas do próprio escritor.
A narração das visitas à França, as pessoas que o ajudaram nas pesquisas para o livro e as dificuldades de composição são incorporadas à narrativa e vão lapidando uma forma ficcional despojada, própria de um "romance escrito em voz alta", como classifica o autor.
Para alimentar esse estilo bastante pessoal, Torres confessa que acompanha a maneira como a violência é tratada na literatura contemporânea: "Leio os novos autores por malandragem, para não perder o pique e conhecer a dicção dessa turma".
Mas muito dessa prática em lidar com os fatos vem mesmo da experiência do escritor como jornalista e publicitário, carreiras que esse baiano da cidade de Junco (hoje batizada Sátiro Dias) seguiu antes de dedicar-se integralmente à literatura e receber prêmios como o Chevalier des Arts et des Lettres, concedido pelo governo francês em 1998, e o Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra em 2000.


O NOBRE SEQUESTRADOR. De: Antônio Torres. Editora: Record. Quanto: R$ 30 (256 págs.).


Texto Anterior: Saque de corsário pôs o Rio na rota da violência
Próximo Texto: Frase
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.